Convidamos os roteiristas Bruno Bloch e Filippo Cordeiro, criadores do podcast Primeiro Tratamento, para entender todos os detalhes sobre as rodadas de negócios
Todo roteirista parte de um princípio criativo. Afinal, dedicamos nossa vida a isso: criação. Dito isso, devemos levar em conta os fatores mercadológicos também. Como transformar todo o processo de desenvolvimento em um produto que o mercado queira investir?
Essa é uma tarefa difícil, mas existem ferramentas e espaços dedicados exclusivamente a isso. Festivais, Concursos e demais eventos voltados ao meio audiovisual servem para o roteirista construir pontes para o mercado. É importante criar, mas também circular pelo meio.
No centro disso tudo estão as rodadas de negócios. Nos últimos dias, tanto o FRAPA quanto o Primeiro Tratamento anunciaram os resultados das rodadas de negócios de 2020, abrindo um espaço importante para debatermos esse assunto com maiores detalhes.
O que esperar de uma rodada de negócios? Como funciona? O que fazer e o que evitar? Muita gente já sabe como é participar de uma rodada como essas, mas com altos números de inscritos nesse ano, sabemos que diversos roteiristas iniciantes também estão chegando aí!
Para debater com a gente esse importante tópico convidamos os roteiristas Filippo Cordeiro e Bruno Bloch, criadores do podcast Primeiro Tratamento. Além de administrar suas carreiras como roteiristas, os dois dedicam seu tempo a apresentar o podcast, que reúne muito conteúdo bacana sobre roteiro e entrevistas com grandes nomes do mercado.
Em 2020, o Primeiro Tratamento resolveu lançar uma ideia um tanto antiga: criar a sua própria rodada de negócios. Segundo Filippo, tanto eles quanto os players se surpreenderam com “a qualidade média dos projetos”.
“Recebemos um email de um player dizendo ‘gostei da qualidade dos projetos, achei melhor do que coisas que eu vi no Rio2C”, revela Filippo. Com tantos talentos disputando a atenção dos players, como se destacar? Vamos entender melhor esse assunto!
De onde veio a ideia?
Segundo levantamento da equipe, foram 298 roteiristas e 519 projetos inscritos na rodada de negócios. Um número bem significativo e que reflete o engajamento do público a ações como essa, reforçando a importância de construir espaços de conexão entre roteiristas e players.
De onde surgiu essa ideia, afinal? Quem vê o projeto em movimento muitas vezes nem imagina o trabalho que deu para organizar tudo isso. Trabalho esse que contou muito com o apoio do Thiago Costa, técnico em TI e também roteirista.
“Era para ser um esquema muito menor, com no máximo 12 produtores. E agora estão com 18, o projeto aumentou”, reforça Filippo, salientando como o projeto ganhou força rapidamente. Bruno lembra de um e-mail recebido por Thiago Costa, quando ainda estabeleciam os pilares técnicos do projeto.
De acordo com Bruno, o e-mail trazia um alerta: “não vai dar certo”. Thiago se referia às estratégias de articular tantas reuniões em uma mesma plataforma online. Por sorte, tudo isso já foi testado e solucionado para evitar problemas na hora dos encontros.
Optando pela utilização da plataforma Zoom, as rodadas serão organizadas em uma espécie de “salão virtual”, onde diferentes reuniões ocorrem ao mesmo tempo. Tudo isso para otimizar ao máximo a experiência.
Bruno e Filippo comentam que a rodada de negócios já estava no radar deles há algum tempo. “A gente recebeu lá atrás uma ideia de um ouvinte de fazer alguma iniciativa para tentar aproximar roteiristas ao mercado, usando os nossos contatos”.
Ele completa: “a gente achou interessante, mas ainda um pouco vaga. Guardamos ali na gaveta. Conforme foi chegando a questão da pandemia, a gente foi avaliando as ideias. Lembramos dessa ideia e começamos a amadurecer”.
Com um vácuo no calendário dos festivais e eventos, esse projeto veio em boa hora. Sabemos que os roteiristas caíram em cima da oportunidade, mas como foi o diálogo com os players? Buscamos entender melhor essa relação.
“Em um primeiro momento fomos sondar algumas pessoas, fazer os primeiros convites. Todo mundo estava achando legal a iniciativa. Logo em seguida, quando anunciamos, outros produtores vieram falar com a gente. Produtoras bem legais, produtoras grandes, que nós não tínhamos muito contato. E assim foi aumentando” - Filippo Cordeiro
Filippo destaca a adesão do pessoal do mercado para deixar um recado: estão todos bem engajados para esse momento de troca.
Sobre a organização dos projetos recebidos
Filippo e Bruno nos explicam que tiveram de fazer uma triagem para, então, distribuir os projetos aos players de acordo com as suas específicas demandas. Podemos entender como uma espécie de curadoria, seguindo algumas orientações.
“Nas primeiras conversas a gente entendeu que os players, de certa forma, demandaram esses filtros”, comenta Filippo. Afinal, o que são esses filtros? Eles ficaram atentos a questões como gênero, formato, gramática, mas também a questões mais indiretas, como se o projeto em si não estava muito fora das nossas realidades de mercado.
Esse último ponto é muito importante. Não basta cuidar da qualidade artística do projeto, mas também pensar na forma como ele dialoga com o nosso mercado audiovisual. Para isso, é preciso conhecê-lo bem.
O que esperar da rodada de negócios?
No meio de tanta expectativa, é importante trazermos uma visão realista: não devemos entender a rodada de negócios apenas como um pitching de vendas, embora seja um ponto importante do processo.
Fillipo e Bruno inclusive questionam um pouco a nomenclatura. Bruno afirma: “rodada de negócios dá uma impressão errada às vezes, como se houvesse um cheque a ser assinado no final da reunião”.
Entenda como uma forma de prospectar parceiros, coletar feedbacks, testar a sua ideia no mercado e se apresentar como profissional. Todo parceiro de negócios quer entender o que o proponente espera dessa relação. Players são diferentes entre si, bem como suas relações profissionais.
Antes de qualquer coisa, reflita: o que é mais coerente para o seu projeto? O que é mais realista dada a sua experiência? O que você espera? A resposta não pode ser “um cheque no fim do dia”. É preciso entender como o player pode contribuir além de qualquer recursos financeiro.
Diante de toda essa reflexão, Filippo comenta: “a gente sabe de produtor interessado em projetos mesmo, não só em conhecer pessoas”. Isso significa que sim, existe a chance de “fechar negócio”, mas não vá esperando necessariamente isso.
“Muito difícil fechar um negócio em si”, começa Filippo. “Se o roteirista acha que vai vender um roteiro na rodada de negócios, possivelmente ele tá errado, mas isso não significa que ele não vai vender lá na frente”.
“Ele tá assistindo muito Shark Tank”, brinca Bruno. Talvez o ponto mais interessante de um evento como esse é a oportunidade de se apresentar ao mercado. Você quer conquistar trabalhos no mercado? Então precisa ser lembrado. Você quer ser lembrado? Então precisa se apresentar. A lógica é simples!
“É uma excelente oportunidade para se apresentar enquanto roteirista para produtores. Pelo que a gente conversou, muitos produtores se interessam, sim, pelas ideias, mas muitas vezes se interessam mais no roteirista para outros trabalhos” - Filippo Cordeiro
Fillipo explica que a partir das ideias, dos projetos, é possível compreender um perfil de autor. Além disso, reforça a importância de frequentar espaços e promover novos encontros.
Como otimizar o tempo?
Administrar bem o tempo é muito importante em qualquer reunião de negócios. Por um lado, você não quer deixar pontas soltas no seu pitching. Por outro lado, você também não quer entediar o possível parceiro criativo ou mesmo tomar todo o seu tempo.
Na rodada do Primeiro Tratamento, os roteiristas terão 20 minutos para apresentar o projeto e receber feedbacks. Nossos convidados deixam bem claro que esse tempo deve ser respeitado!
“A gente recomenda que o roteirista guarde alguns minutos para ouvir o feedback”, Bruno salienta. Imagine usar os 20 minutos e não receber nenhum feedback. Sem entender as reações dos players ou deixar de trocar um contato depois.
Bruno deixa o recado: “faça o seu treino, o seu pitching dentro de uma média entre 10 e 12 minutos. Dependendo do projeto, claro. Para realmente ter esse momento do feedback também, né?
“Isso dialoga também com a questão da finalidade”, Filippo continua. “A pessoa dar um tempo para o player falar é uma forma também da pessoa se apresentar. O produtor terá uma oportunidade de fazer as perguntas sobre o projeto, sobre a pessoa, entender como essa pessoa lida com crítica, com sugestão...Tem um pouco de ‘entrevista de emprego’ também”.
O que é mais importante durante uma rodada?
“Ter o domínio da apresentação do seu projeto, pois isso passa profissionalismo”, conclui Filippo. “Tem que tá muito disposto a conversar também, explicar o que gosta de escrever, mas principalmente estar com o projeto muito bem formatado”.
“O projeto é uma grande carta de apresentação” - Filippo Cordeiro
Como as rodadas servem como cartão de visitas, todos os signos que ali operam estão refletindo algo a seu respeito: seu profissionalismo, a forma como apresenta uma ideia, sua bagagem profissional, etc.
Por isso, o conjunto todo deve estar muito bem estruturado. A reflexão aqui é: essa apresentação revela bem as minhas qualidades como roteirista? Muito mais do que o projeto, é você que está em evidência.
Sobre as repercussões de uma boa reunião em rodadas de negócios, Bruno lembra de algumas experiências: “eu e o Filippo já tivemos essa experiência de participar de uma rodada, então um ano depois o produtor mandar um e-mail dizendo ‘estou com uma sala de roteiro aqui, lembrei de você por causa daquela rodada’. Isso é uma coisa muito frequente e um dos pontos mais legais”.
Recebendo feedbacks
Sobre os feedbacks, Filippo traz sua opinião: “é muito importante apresentar bem a sua ideia, mas é muito importante ouvir também”. Como reagir aos feedbacks em tão pouco tempo? Ao mesmo tempo que você não quer se mostrar fechado, também precisa demonstrar confiança naquilo que você escreveu.
Uma coisa é certa: a maioria dos players prefere participar ativamente do processo de construção. O que não significa que seu projeto deve se apresentar como algo “100% aberto, pronto para mudar completamente”. É preciso encontrar um meio termo.
Como os próprios entrevistados ressaltam, “os players procuram projetos em estágio mais avançado do desenvolvimento, mas também querem liberdade para entrar e mudar muitas coisas, se preciso”. Parece contraditório, mas não é. O jogo é assim: seu projeto precisa se mostrar ao mesmo tempo sólido e flexível.
“Deixar a conversa acontecer às vezes é uma chance de mostrar melhor quem você é, não apenas o projeto”, comenta Filippo. Muito roteirista esquece que mais do que vender um projeto, há sempre a chance de surgir, em um futuro próximo, convites para salas de roteiro. Em uma sala de roteiro, tudo isso é avaliado: postura, clareza, reação a feedback, etc.
Bruno ressalta o quão delicada é a situação da crítica, pois você “tem de se posicionar, assim, no improviso”. “Você quer defender suas ideias sem se mostrar fechado a novas ideias”, conclui Bruno.
Qual é a melhor forma de lidar com isso? Filippo afirma que é bom ter respostas para as dúvidas, mostrar que nada ali é por acaso. Por outro lado, demonstre muito mais que entendeu a questão e sugestão do player, no lugar de defender suas ideias.
Estágios de desenvolvimento
Bruno aponta que já na inscrição é possível entender se os projetos ainda estão em uma fase embrionária. Considerando isso, Bruno acredita que projetos mais sólidos estão mais aptos a encantar os players.
Para dar continuidade à reflexão, Filippo aborda suas impressões a partir das suas conversas “de meio campo” para levantar seu ponto: “há um grande interesse por parte dos produtores em saber se já tem bíblia, se já tem roteiro”.
Já mencionamos esse ponto, mas vale ressaltar aqui: “produtores buscam projetos mais formatados, mas vão mexer muito nesses projetos”, conclui Filippo. Se tudo correr bem, para o próximo passo é bom esperar um clima de “trabalho conjunto”.
Apresentações visuais
A plataforma do Zoom permite apresentações visuais através da função de compartilhar tela. Isso significa que existe, sim, a possibilidade de contar com apoio visual na hora de apresentar seu projeto. Isso é recomendado?
Vamos nos basear em impressões pessoais para tratar do assunto. Alguns dos nossos projetos aqui da WR51 já passaram por rodadas de negócios, mas também apresentações de pitching. Tivemos um projeto finalista no Concurso de Longas do FRAPA, em 2017, bem como outro que levou o prêmio de Pitching no MetrôLab. Sem contar, é claro, em outros eventos que participamos.
O que aprendemos com nossas experiências? O papel comedido desses recursos visuais. Nossa função não é distrair os players, mas atraí-los para o nosso universo. O que vemos bastante em pitchings em eventos como FRAPA, por exemplo, é o apoio visual de uma imagem que dê o clima da história, ou mesmo uma apresentação sucinta que destaque o tópico que você está apresentando naquele momento.
Esses tópicos podem te ajudar a estruturar a apresentação. Separar um tempo certinho para a apresentação, sinopse, motivação, etc.
Outras preparações
No caso do Primeiro Tratamento, Filippo e Bruno afirmam que estão testando a plataforma junto dos players e apontam a necessidade de você, roteirista, fazer o mesmo. Você tem aquele tempo, aqueles 20 minutos para brilhar. Não dê bobeira por conta de conexão. Teste tudo antes: faça uma chamada com amigos, família. Veja se está tudo ok.
Aconselhados pelo Thiago, Filippo e Bruno lançam o recado: baixem o aplicativo do zoom no computador, evitando a versão web. Dito isso, eles afirmam que estão preparados para possíveis problemas de conexão. Há certa flexibilidade para remarcar reuniões, se necessário.
Mantendo contato
Nossos entrevistados reforçaram bastante a importância em criar oportunidades para seguir o papo depois da reunião. Afinal, esse é o grande objetivo: criar um verdadeiro elo com o mercado.
Tenha sempre um material para enviar depois. Pode ser o piloto do projeto, ou a bíblia completa. De repente você pode apresentar o arco da primeira temporada. Demonstre interesse em levar o papo adiante, bem como apresentar novos materiais sobre o seu projeto.
Enviar roteiro pode ser uma estratégia interessante. Os possíveis parceiros criativos precisam entender o seu estilo, saber como você escreve. Não é só o projeto que está em jogo, mas possíveis futuros convites para salas de roteiro.
É importante mostrar que você está disponível e tem muito mais para oferecer! Por fim, vale deixarmos ainda mais claro o recado: não espere um cheque, mas trabalhe as relações para que futuras oportunidades apareçam.
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