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O que a Black List nos ensina sobre escrever uma logline?

O que os projetos da Black List de 2019 têm de tão interessante? E como as loglines são construídas para chamar a atenção de executivos de Hollywood?


Imagem: reprodução

Se você é um roteirista ligado no mercado norte-americano, certamente já ouviu falar da famosa Black List. Embora nosso mercado não seja exatamente o mesmo, temos muito a aprender com eles.


Ano após ano, novos projetos procuram financiamento dentro do mercado do cinema. São roteiros que muitas vezes estão nas mãos de agentes, mas não fizeram ainda o trajeto para garantir um financiamento.


É por isso que existe a Black List, uma forma de entender quais são os roteiros com as melhores avaliações de acordo com executivos de Hollywod. A lista não reúne “os melhores do ano”, mas os projetos que têm mais chances de virar um sucesso no cinema (comercial ou mesmo artístico).


Isso tudo começou em 2005 com um executivo chamado Franklin Leonard. No começo, era simples: uma lista era compartilhada entre os produtores hollywoodianos que faziam parte da sua rede de contatos. O intuito inicial ainda é preservado: selecionar projetos promissores entre um mar de roteiros que circulam por aí.


A lista foi responsável por alavancar carreiras e trazer às telas filmes que reconhecemos como grandes marcos do cinema, entre eles “O Discurso do Rei” (The King's Speech, 2010) e “Juno” (2007). Depois desses anos todos, o que a Black List nos revela sobre o mercado do roteiro e, inclusive, o domínio das agências?


O que a lista de 2019 fala sobre a indústria do cinema

"Queen and Slim" - Imagem: Universal Pictures

A Black List 2019 revelou muito mais do que loglines de projetos promissores. Paralelamente a isso, podemos analisar também as agências de talentos que se destacaram pela quantidade de projetos que ganham espaço nessa disputada lista.


Mais de 250 executivos da indústria do cinema foram responsáveis por votar nos seus projetos preferidos, trazendo, neste ano, Move On de Ken Kobayashi como principal destaque. O projeto está vinculado à agência UTA e ao Gotham Group.


No entanto, foi a Verve que ficou no topo entre as agências com mais projetos indicados pelos executivos. Essa pontuação já representa uma mudança no mercado, pois ano passado o primeiro lugar ficou com a mega-agência CAA, que agora ficou em segundo.


Os efeitos mais recentes da Black List também nos revelam um caminho mais inclusivo entre os projetos preferidos. Entre os destaques das últimas edições da lista e que foram lançados em 2019 estão “Queen and Slim” e “Talk-Show - Reinventando a Comédia" (Late Night). Ambos os projetos trazem mulheres negras como protagonistas ou coprotagonistas.


Algumas loglines em destaque

"Juno" - Imagem: reprodução

Quem acessa a Black List se depara com algumas informações sobre cada projeto: além dos créditos autorais, agências, produtoras e managers vinculados, há também uma logline normalmente sucinta (o que não é exatamente uma regra).


De cara, podemos entender um pouco dos atributos de cada projeto a partir das loglines. Engana-se quem acha que elas são escritas sem qualquer apreço por fórmulas: na maioria delas podemos entender uma estrutura por trás e que vamos explicar a seguir.


Antes de passar para a simples fórmula, vamos ler juntos algumas loglines de projetos bem diferentes entre si para entender o que há em comum entre eles (e, é claro, especular a respeito do que pode ter atraído a atenção dos executivos).


Voicemails for Isabelle - Leah McKendrick


Uma medíocre roteirista de TV se esforça para lidar com a morte da sua irmã caçula enviando ao seu celular mensagens de voz descrevendo todos os problemas que envolvem sua vida amorosa em Los Angeles. Sem que ela saiba, o número é transferido para outra pessoa. Agora, um arrogante corretor de imóveis de Nova York passa a receber as hilárias confissões por mensagem de voz, levando-o à Califórnia atrás da estranha que parece intimamente próxima a ele.


Pontos fortes: embora longa, a logline faz duas coisas muito bem. A primeira é estabelecer um universo palpável em poucas palavras junto de um motivo humano para o drama, estabelecido em algo que tem raízes emocionais. A segunda é trazer um twist de perspectiva (será que a trama é apresenta pelos olhos do corretor?), mostrando uma conexão improvável que não se baseia apenas nessa estranha coincidência, mas em um conceito universal que explora as formas como lidamos com a perda.


10-31 - Peter Gamble e Ian Shorr


Uma jovem leva seus sobrinhos para uma noite de “doces ou travessuras” e descobre um bilhete dentro da embalagem de um dos doces que alerta que há um assassino à solta no quarteirão.


Pontos fortes: de cara qualquer pessoa consegue entender o universo, premissa e motivação em poucas palavras e sem detalhes exagerados. Depois, há também um conflito muito interessante entre a inocência de uma noite de “doces ou travessuras” e a jornada de sobrevivência. Tem tudo para ser um interessante thriller onde a concentração do drama em uma mesma noite traz a corrida contra o tempo como um elemento de grande atração.


The Repossession - Megan Amram


Vinte anos depois de um exorcismo fracassado, uma jovem tímida e quieta constrói uma amizade improvável com o obsceno demônio que a possuiu quando criança.


Pontos fortes: é possível perceber uma quebra de expectativa que atrai a atenção, ainda mais quando promete um caminho nada comum para filmes do gênero. Aqui, o fator originalidade e irreverência ganham os destaques. Seria uma comédia obscura? É no mínimo inusitado. Isso prova que uma trama original não precisa de uma longa logline para apresentá-la, ainda mais quando a genialidade se encontra na simplicidade.


Grandma Wants to Die - Patrick Cadigan


Quando Ben se torna responsável por, sozinho, arcar com todas as contas do seu casamento apenas algumas semanas antes do grande dia, ele se vê obrigado a formar um pacto com a sua estranha avó Minnie. Ela lhe dará o dinheiro apenas se ele assinar o papel que permite o seu suicídio assistido. Ben concorda de bom grado, apenas para descobrir o verdadeiro plano de Minnie antes que ela parta… Destruir o casamento por dentro e aparentemente arruinar a vida de Ben.


Pontos fortes: aqui o conceito por trás da obra é o que mais chama a atenção. Ele envolve uma situação inusitada e personagens que testam os limites morais, inclusive enfrentando alguns tabus como o suicídio. Se for para trazer uma opinião contrária, talvez pudesse ser mais sucinto. A informação sobre o plano de arruinar o casamento fica um pouco solta no meio disso tudo, mas não compromete o set-up genial.


Esses são apenas alguns exemplos para entendermos a variedade de títulos, mas que ao mesmo tempo trabalham com alguns elementos em comum. Quais são esses elementos, afinal? Vamos explorar um pouco melhor essa questão.


A logline e o triângulo do conflito

Imagem: Shutter Stock

Boas loglines são feitas para você ler e questionar: “como que eu não pensei nisso antes?”. Além disso, elas já permitem que você visualize o filme, o protagonista, seu tom, gênero e conflito base.


Conseguir chegar nesse nível de construção não precisa ser um trabalho tão difícil, mas certamente não é intuitivo. Uma logline bem construída vai fazer toda a diferença na hora de atrair parceiros e investidores, mas também pode servir para você reavaliar algumas fraquezas do seu roteiro.


Na hora de construir uma logline é muito comum perceber um protagonista pouco interessante, um contexto não tão original ou mesmo um problema de tom. Por isso, esse trabalho serve bastante para repensar esses e outros pontos, ajustando os “volumes da sua história”.


Para explorar uma forma de construir uma logline, vamos trabalhar com uma versão adaptada do triângulo do conflito. Como funciona?


Protagonista + força antagonista + os riscos/as perdas/os ganhos


Considerando narrativas contemporâneas, é bom entender as nuances por trás desses elementos. Quando falamos em “antagonismo”, por exemplo, nem sempre estamos falando de um vilão claro que tem como objetivo destruir as tentativas do herói em completar a sua jornada.


A questão do antagonismo na logline

"Taxi Driver" - Imagem: reprodução

Podemos estar tratando de uma figura oponente, por exemplo, que nem sempre tem uma intenção maldosa dentro de si. Uma oponente pode ser aquela mãe amorosa que exagera na criação do filho, privando-o de se tornar um ser humano independente (considerando essa como a sua jornada).


A força antagonista também pode ser contextual, como um regime autoritário. Forças antagonistas desta ordem são comuns em filmes romenos, por exemplo, como "Além das Montanhas" (Dupa dealuri, 2012). Também pode ser uma força interior, uma auto-sabotagem: talvez uma dependência química que o protagonista tem e constantemente testa sua força de vontade para seguir no caminho certo.


Independente da forma como se manifesta essa força antagonista, se ela não estiver minimamente clara na própria logline, dificilmente alguém vai se interessar em ler o projeto. Esse, afinal, é o primeiro objetivo de uma logline.


Erros comuns: deixar a força antagonista vaga, sem muita clareza, descrevendo apenas como “forças ocultas” ou “uma série de desafios”. Presume-se que há uma série de desafios, mas quais são eles? Você não precisa descrever em detalhes, mas precisa “tecer uma imagem” mais clara.


Os riscos, as perdas, os ganhos

"Corra, Lola, Corra" - Imagem: reprodução

Outra noção muito interessante envolve riscos, perdas e ganhos que fazem parte da equação da história. Entendemos que uma jornada é composta por desafios, certo? Eles apenas são considerados desafios quando há algo a ganhar ou a perder no final da mesma.


Só uma questão: não é preciso explicitamente apresentá-los, mas deixar implícita a sua presença. Se a jornada do seu protagonista envolve, por exemplo, "viajar para uma cidade grande com intuito de fechar um importante negócio que pode livrar sua família das dívidas antes que eles percam a casa", entendemos o que ele tem a perder e a ganhar sem precisar de maiores detalhes.


Pessoalmente, eu me deparo muito mais com loglines que até apresentam o que o protagonista tem a ganhar, mas falha na hora de apresentar os riscos. Tem também aquelas que confundem esse risco maior com desafios no caminho.


Por exemplo: diversas batalhas contra figuras mágicas certamente representam séries de riscos para o personagem, mas será que é esse o risco maior da sua jornada? Queremos saber o que ela está arriscando com essa jornada e isso não necessariamente vai ser físico. Para descobrir, é preciso partir do ponto final da sua transformação.


Talvez as figuras mágicas representem desafios entre o personagem e o seu objetivo, mas com a sua jornada ela arrisca algo maior. Talvez sua reputação, um laço afetivo muito importante, deixar seu sonho de lado para sempre… Enfim, não há limites para a imaginação.


Em geral, loglines interessantes mostram o que os personagens protagonistas tem ganhar e a perder de forma sucinta. Parece uma coisa prática e engessada, mas devemos refletir sobre todas as possibilidades de perdas e sucessos que a própria vida nos impõe. É um exercício diário.


Conclusão


A Black List não é apenas uma lista útil para roteiristas promissores e independentes do mercado hollywoodiano. Ela também pode ser um instrumento de estudo para nós, roteiristas brasileiros que buscam algum espaço no mercado nacional e/ou internacional.


Analisar loglines, roteiros e mesmo filmes lançados e que saíram da Black List é importante para entender os rumos da maior indústria do cinema e dos nossos próprios projetos.


O que você acha disso? Você acompanha os projetos divulgados na lista? Tem o objetivo de figurar em alguma delas um dia?


Compartilhe conosco e continue tentando. A próxima logline de destaque pode ser a do seu roteiro!


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