Confira os filmes brasileiros nos principais festivais internacionais de 2020 e entenda porque é tão importante que nosso cinema circule mundo afora
Todo mundo sabe que, para uma indústria florescer, é necessário se internacionalizar. No contexto atual do país, isso se torna absolutamente fundamental para a solidificação e desenvolvimento da indústria cinematográfica.
Portanto, a difusão dos títulos e narrativas brasileiras pelos festivais e telas do mundo não só é bem-vinda como urgente. Para falar sobre isso, vamos traçar um panorama sobre a situação atual e listar alguns filmes brasileiros que andam fazendo bonito pelos festivais internacionais.
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A urgência de se internacionalizar
Os motivos principais para essa urgência de circular com nosso cinema por aí estão centrados nas incertezas culturais e políticas, já que o caos sociopolítico chegou com tudo para cima do audiovisual brasileiro.
A ameaça é tão grande que já perdemos recursos, cortamos orçamentos e pioramos nossos editais pela ANCINE.
A partir daí, percebemos a revolta da classe artística, não só nas redes sociais como também nos temas e abordagens dessa safra de filmes mais recente - como exemplo, "Bacurau" de Kleber Mendonça Filho e Juliano Dornelles, ou "Democracia em Vertigem", documentário de Petra Costa.
O caso de Bacurau, por exemplo, é interessante. No filme, o que prevalece é a vontade de fazer um filme de gênero, um produto tipo-exportação que carregue muito da realidade brasileira em forma de nordestern.
Apostar no gênero para traçar um panorama poético é uma ótima estratégia de internacionalização, já que os símbolos narrativos de um filme de gênero são realmente universais e movimentam bastante as bilheterias.
Sobre isso, Juliano Dornelles conta ao El País que "os filmes de gênero são muito mais fortes quando o mundo está alimentando ideias e realidades absurdas. E nosso país é muito rico em absurdos, há alimento para mais de dois mil filmes. Bacurau é só mais um".
Além de carregar uma narrativa sólida, bem executada e altamente crítica para o exterior, Bacurau levou o Prêmio de Júri na 72ª edição do Festival de Cannes, um dos festivais de cinema mais privilegiados do mundo.
Um filme de gênero desse estilo também tem espaço nos festivais, que são importantes plataformas de reconhecimento e negócios para a carreira do cineasta. Portanto, é muito interessante ver o filme brasileiro como um produto de reflexão e comunicação - de nossos medos como uma nação, incertezas, hábitos culturais e talento - sendo bem recebido nessa plataforma tão importante.
Para quem vê de fora, chama a atenção nossa capacidade de articulação dentro desse universo de "filme-protesto", "filme-espelho" ou outras noções.
Construímos filmes delicados, fortes, coesos. E isso reflete na entrada de capital de investimento internacional, como as milhares de co-produções, filmagens locais, sucesso de produções de streamings e investimento estrangeiro geral no mercado cinematográfico brasileiro.
Não é só a Europa ou os EUA - o resto do mundo está de braços abertos para conhecer como nós pensamos e vemos a sociedade, a política, nossas relações e todos os outros elementos que vão da vida para a narrativa.
Ou seja: agora, mais do que nunca, há uma urgência no cinema brasileiro de ser difundido, assistido, reconhecido e desenvolvido. A internacionalização coloca mais uma pressão (ótima) em cima dessa situação, pedindo por mais recursos, mais realizações e mais difusão.
O caso de sucesso internacional do cinema sul-coreano
Um bom exemplo para refletir sobre a importância da internacionalização é observar a política cultural da Coréia do Sul. Com o recente sucesso absoluto de "Parasita" (Parasite, 2019), de Bong Joon-ho, o mundo voltou seus olhos novamente às telas sul-coreanas.
O sucesso do cinema da Coréia do Sul não é necessariamente novidade, mas ainda está relativamente no início da sua jornada de glória internacional.
Em um documento oficial, a superintendente de análise de mercado da ANCINE Luana Rufino nos explica muito bem o trajeto deles.
Começando pelo salto do market share da indústria audiovisual sul-coreana num espaço de 20 anos, por exemplo, vemos em números o efeito de um decente e coeso investimento cultural por parte do governo: em 1994, o cinema nacional possuía um market share de apenas 2,1%. Já em 2014, alcançou a marca de 57% (contra 12% do market share do cinema no Brasil em 2015).
O que mudou no audiovisual sul-coreano nesse meio tempo?
A implementação de políticas públicas adequadas às especificidades nacionais, atuantes em todo o processo audiovisual: conhecimento, desenvolvimento, produção e distribuição.
Um bom exemplo é a implementação da “Motion Picture Promotion Law” em 1995, com o intuito de atrair capital para o estabelecimento de um fundo setorial (assim como no Brasil) e para a criação de incentivos fiscais para o setor audiovisual.
Essa política de promoção foi até mesmo chamada de “Learning from Hollywood” (Aprendendo com Hollywood), se inspirando nos incentivos iniciais presentes na mega indústria norte-americana.
Nesse contexto, a idéia da internacionalização inteligente também foi bem aplicada: depois da crise financeira asiática, o governo sul-coreano voltou a orientar as políticas de exportação do audiovisual nacional como uma nova iniciativa econômica.
Nesse processo, Luana explica que "houve uma articulação das políticas públicas para envolver as demais empresas sul-coreanas que atingissem não só os conglomerados (chaebols), mas também a indústria que é independente dessas grandes empresas, no sentido de dar mais estabilidade ao crescimento do setor".
Outro exemplo um pouco mais superficial e rápido, nesse mexmo contexto, é a carreira do autor Bong Joon-ho, também vencedor de Cannes, do BAFTA desse ano e concorrente ao Oscar, em seis categorias, por Parasita.
O roteirista e diretor iniciou sua carreira na Coréia do Sul e, após seu trabalho em "O Expresso do Amanhã" (Snowpiercer, 2013), co-produção entre os EUA e a Coréia do Sul, sua internacionalização foi instantânea e lhe possibilitou usufruir de outros trabalhos junto a Hollywood.
Parasita, contudo, é um fenômeno internacional de alma essencialmente coreana. É um filme que lida com a desigualdade presente em diversos países, mas através de uma linguagem narrativa específica da terra natal de Bong.
Ao falar sobre Parasita em Cannes, ele afirma:
Eu me vejo como um diretor de cinema de gênero. Faço filmes de gênero, mas não gosto de seguir os códigos convencionais para filmes de gênero. Eu tento transmitir mensagens sobre a sociedade através desses códigos quebrados, e desta vez estou muito satisfeito por ter conseguido fazer o filme com esses atores fabulosos.
Para Bong, o caminho para a internacionalização se deu através da aposta nos filmes de gênero - unido ao ambiente econômico-cultural coreano favorável.
A realização de filmes de gênero, obviamente, não é o único caminho para a difusão do nosso cinema. Pelo contrário: a homogeneização do cinema só tem a contribuir com aspectos negativos à cultura dos países.
A questão, portanto, é fazer bom uso das políticas públicas e pensar em narrativas essencialmente brasileiras que conduzam o olhar externo para as nossas questões de um modo bem articulado e interessante - como fez Bacurau, Cidade de Deus, Central do Brasil, O Beijo da Mulher-Aranha e tantos outros.
E a internacionalização no audiovisual brasileiro?
Olhando para nosso panorama atual, entendemos que um dos pilares que sustenta nossa produção é o Fundo Setorial do Audiovisual, existente desde 2006. Ele promove fomento audiovisual com retorno fiscal às empresas que contribuem. Leia mais aqui.
Porém, atualmente, acabamos sofrendo grandes danos ao FSA (inclusive, à própria ANCINE). Em setembro de 2019, por exemplo, o presidente Jair Bolsonaro apresentou projeto de lei prevendo um corte de 43% do orçamento do FSA.
De acordo com o Jornal Nexo, o fundo terá apenas R$415,3 milhões em 2020, o menor valor nominal desde 2012. Esse corte atinge principalmente os "investimentos destinados a obras com alto potencial de retorno comercial".
Além disso, não só a questão da produção, mas também da internacionalização, teve sua integridade ameaçada: a ANCINE prevê um sistema de apoio a festivais chamado Programa de Apoio à Participação Brasileira em Festivais, Laboratórios, Workshops, Eventos de Mercado e Rodadas de Negócios Internacionais.
Esse programa teve, no ano passado, uma categoria cortada de seu escopo de auxílio, além de atrasos no reembolso dos realizadores. Em 2019, o apoio contou com dois tipos (A e B), enquanto possuía mais um tipo (C) anteriormente.
Os apoios a serem concedidos pela agência em 2019 foram:
a) Apoio A – Concessão de cópia legendada, envio de cópia e apoio financeiro para a promoção do filme (44 Festivais);
b) Apoio B – Concessão de apoio financeiro para a promoção do filme (56 festivais).
Como vemos, o apoio da ANCINE e do governo é uma ferramenta essencial para a boa distribuição de filmes brasileiros por aí (mesmo que não de modo comercial), já que festivais maiores são sempre palcos para rodadas de negócio e networking. É onde os filmes são vistos, reconhecidos e onde carreiras são sedimentadas.
Outra etapa do processo cinematográfico que fica assegurada com esse apoio é o desenvolvimento artístico dos cineastas, já que workshops e laboratórios contribuem imensamente para a formação.
Quanto aos FSA, então, nem se fala. Com os cortes, o cinema nacional fica negligenciado e acaba não promovendo todo o enorme retorno social e financeiro ao país que costuma trazer. Essa obstrução também faz com que artistas precisem buscar iniciativas privadas para custear as produções, o que fecha as portas do audiovisual para muitos.
Ainda assim, sempre perseverante, o Brasil vem aparecendo nos festivais mais importantes por aí, inspirando prestígio para produções super diversificadas.
Um exemplo é o Festival de Sundance, criado por Robert Redford e considerado um dos mais importantes festivais do mundo. A edição de 2019 do evento, por exemplo, selecionou 4 produções brasileiras entre os 12 filmes principais.
Já o Festival de Berlim de 2019 deu o Prêmio da Paz para o longa “Espero a Tua (re)Volta”, de Eliza Capai. Outros filmes premiados foram “Bixa Travesty“, de Cláudia Priscilla e Kiko Goifman, e “Tinta Bruta”, de Filipe Matzembacher e Marcio Reolon - esse último levando o Teddy Award de melhor longa. Fizemos bonito também na categoria do VR, com o prêmio de Melhor Experiência Imersiva para o curta imersivo "A Linha", de Ricardo Laganaro.
Em conclusão: internacionalização é uma questão instrínseca ao nosso desenvolvimento como indústria. É ótima a apreciação externa e participação de cineastas brasileiros em workshops, laboratórios e festivais mundo afora, pois isso contribui para a nossa solidificação de produção cultural.
Isso estimula de modo muito positivo uma indústria ameaçada pela censura, corte de verbas e nulificação das oportunidades. É preciso estar consciente do que a indústria cinematográfica precisa para assim podermos defender nossas necessidades.
Nesse contexto, trazemos abaixo uma lista atualizada de filmes brasileiros em festivais internacionais, conforme anunciado até fevereiro de 2020. Confira.
Brasil nos festivais internacionais em 2020
Nossa lista contempla os títulos mais recentes desse primeiro trimestre de 2020. Leia abaixo:
92º Oscar (92nd Academy Awards) - 9 de fevereiro
Melhor Documentário: "Democracia em Vertigem", de Petra Costa (documentário, Netflix).
Festival SXSW (South by Southwest) - 13 a 22 de março
Mostra Global: "Medida Provisória", de Lázaro Ramos.
70º Festival de Berlim (Berlin International Film Festival/Berlinale) - 20 de fevereiro e 1º de março
Prêmio Principal (Urso de Ouro): "Todos os Mortos", de Caetano Gotardo e Marco Dutra (co-produção entre Brasil e França).
Mostra Panorama: "Cidade Pássaro", de Matias Mariani; "O Reflexo do Lago", de Fernando Segtowick (documentário), "Vento Seco", de Daniel Nolasco, "Un Crimen Común", de Francisco Márquez (co-produção entre Brasil, Argentina e Suíça) e "Nardjes A.", de Karim Aïnouz.
Mostra Generation: "Alice Júnior", de Gil Baroni, "Meu Nome é Bagdá", de Caru Alves de Souza, "Irmã", de Luciana Mazeto e Vinícius Lopes, e o curta "Rã", de Ana Flavia Cavalcanti e Julia Zakia.
Forum: "Vil, Má", de Gustavo Vinagre, e "Luz nos Trópicos", de Paula Gaitán.
49º Festival Internacional de Cinema de Roterdã (International Film Festival Rotterdam/IFFR) - 22 de janeiro e 2 de fevereiro
Tiger Competition: "Desterro", de Maria Clara Escobar.
Big Screen Competition: "Um Animal Amarelo", de Felipe Bragança, e "Mosquito", de João Nuno Pinto (co-produção com a brasileira Delicatessen Filmes; filme de abertura).
A programação conta com outras produções brasileiras, como: "A Morte Habita à Noite", Eduardo Morotó, na Bright Future Main Programme; o curta Swinguerra, de Bárbara Wagner e Benjamin de Burca, na Bright Future Short; Bacurau, de Kleber Mendonça Filho e Juliano Dornelles (só exibição), e A Febre, de Maya Da-Rin (só exibição).
Sabe de mais algum filme brasileiro selecionado para um festival internacional em 2020? Comente para podermos adicionar à lista.
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