O que é e de onde veio? Ganho alguma coisa escrevendo? Descubra tudo isso e mais 5 dicas importantes para escrever um bom spec
Você já deve ter lido em algum lugar sobre roteiristas que "escreveram um spec", seja qual for o contexto. Esse é um material muito comum no mercado hollywoodiano que acabou vindo para cá com significados diferentes.
Mas o que realmente significa escrever um spec? É um material interessante para ser escrito? Vale a pena investir tempo nisso?
Como sempre, não viemos aqui afirmar que existe uma única resposta certa. Porém, em nossa experiência, um spec é o tipo de material de estudo que pode levar sua escrita e entendimento narrativo para outro nível. Quer entender melhor? Acompanhe nossa matéria!
O que é um spec?
O termo roteiro "spec" é um termo em inglês que significa "speculative screenplay", ou roteiro especulativo. Possui alguns significados diferentes dependendo do contexto.
No geral, é um roteiro escrito "fora do sistema de estúdio" e que o roteirista decide fazer por conta própria. É diferente de um roteiro de filmagem ou de um roteiro de produção, pois há mais foco na história em si, enquanto descrições de movimentos da câmera e outros aspectos de direção não são indicados.
No mercado hollywoodiano, o propósito de um spec é mostrar o talento narrativo de um roteirista. Por isso, quando se fala em spec de longa-metragem, pode ser entendido simplesmente como um roteiro original.
Já na televisão, o spec tem um significado diferente. É um episódio de "amostra" sobre alguma série de TV atual que prova que você pode escrever na voz da série e adaptar as personagens a diferentes narrativas.
Nos EUA, houve uma época em que specs de TV eram muito procurados por emissoras, que inclusive compravam os roteiros e produziam como parte da série. Hoje em dia, isso não é mais tão comum.
Ainda assim, no Brasil é mais comum falar spec para esse último tipo – que é uma espécie de "fanfic" da série, mas com propósitos de exercício narrativo.
Para efeitos desta matéria, é sobre esse tipo de spec que iremos falar, e não sobre roteiros de longa-metragem originais.
Preciso escrever um spec para entrar no mercado de roteiro?
No contexto atual do mercado audiovisual, a resposta é não.
Mas isso não quer dizer que não seja um bom material de escrita ou mesmo um bom sample. Ao escrever um spec, roteiristas exercitam milhares de músculos narrativos, mesmo sem o objetivo de vender o roteiro em si.
Ou seja, o spec aqui no Brasil acaba tendo vários motivos e objetivos diferentes. Um deles é o que mencionamos antes, de ter um bom sample. Mas o que é isso?
Spec vs sample
Sample nada mais é do que o termo utilizado para "amostra" de roteiro. É muito comum que se peçam samples de escrita em candidaturas para vagas de trabalho em roteiro ou concursos internacionais.
Esse exemplo de escrita serve para demonstrar seu conhecimento narrativo e de formatação, assim como sua habilidade dentro das convenções audiovisuais.
Um spec pode servir como um sample, ainda que produtoras e streamings atuais prefiram ler samples originais.
Mitos e motivos da escrita do spec
Ok, o spec pode ser usado como uma amostra de roteiro. O que mais?
Talvez o motivo mais relevante para escrever um spec é o exercício de escrever uma narrativa "plástica" em uma voz que já existe. Quando você mergulha nas regras, ritmos e personagens de uma série já consolidada, sua escrita se demonstra adaptável e ideal para, por exemplo, compor uma sala de roteiro.
O spec propicia isso. O desafio de fazer a "sua versão" de um episódio de uma série obriga a compreensão de novas estruturas, ritmos de cena, cortes e diálogos. Aí, é muito importante não só assistir a série como também ler seus roteiros, quando possível. Assim, os detalhes e as cadências narrativas ficam mais aparentes e você vai se sentir mais próximo da escrita original.
Um mito ao redor do spec é: se sou roteirista iniciante, esse é o único material que "importa" desenvolver. Essa ideia é mais comum em Hollywood, mas não podemos pensar assim. Pelo contrário: um material original - projeto, sinopse, tratamento - vale mais do que mil specs.
Então, será que escrever o seu é uma perda de tempo? Claro que não!
Esse é outro mito. Além de tudo o que já mencionamos, o spec de um episódio de série pode ser útil para treinar a escrita em outro idioma (escolhendo uma série norte-americana, por exemplo), inserir novas personagens em uma série já consolidada, ter um material especificamente elaborado no formato de um episódio para receber feedback de parceiros e outros motivos válidos.
O ideal é desenvolver seus materiais originais primeiro, separando um sample também original, para depois pensar em escrever um spec. Quer dicas para ajudar nisso? Confira!
5 dicas importantes para escrever um bom spec
1. Escolha uma série que você gosta muito
A forma mais interessante e gratificante de escrever um spec é escolher uma série que você gosta. A familiaridade com o estilo, tom e personagens deve transparecer nas páginas.
Geralmente, a ideia é escolher uma série atual ou recente. É importante que você escolha um momento na série em que as personagens estejam minimamente estabelecidas, com suas vozes, conflitos e personalidades mais sedimentadas. Porém, se for seu objetivo for reescrever o piloto da série, vá em frente!
O objetivo do spec é se manter fiel ao tom, ritmo geral e à trajetória das personagens, mostrando que você sabe como estruturar um roteiro. Se a escrita for para estudo próprio e desenvolvimento de sua escrita, escolha algo que vá ser divertido! Tristezas já temos de sobra nessa carreira.
2. Escolha uma trama estratégica - e memorável
Um spec é útil não só para mostrar que você sabe construir narrativas "em outras vozes" ou exercitar algo no tom que você gostaria muito de escrever um dia. Ele serve também para escolher ativamente quais atributos da sua escrita você quer destacar para quem vai ler.
Por isso, é importante que você identifique algo que se encaixe na série, mas que seja estrategicamente mais aproximado do tipo de escrita que você mais sabe fazer.
Por exemplo, nossa co-fundadora Jessica Gonzatto escolheu escrever um spec de "Succession" (2018, HBO). Essa é uma série extremamente complexa em termos de tom, personagens, temáticas e ritmo. Não sabendo tanta coisa assim sobre manobras de negócios, aquisições empresariais ou a vida de bilionários, ela trouxe um foco maior nas relações entre as personagens e também no humor ácido.
Se utilizando de um espaço memorável, que seja impactante na narrativa, ela explora a vulnerabilidade, a parceria e a rivalidade entre personagens, além de situações onde a ironia brilha forte. Esses elementos já fazem parte do universo de Succession, mas tiveram um destaque maior por serem mais próximos do que ela domina em sua escrita.
Sendo assim, escolha uma dinâmica memorável para quem ler, que seja diferente do "esperado" da série e também que foque nas suas habilidades como roteirista: diálogos rápidos, atmosfera de tensão ou então domínio de algum gênero predominante.
3. Escolha um momento mais avançado na trama da série
Como mencionado, você tem total liberdade quanto a escolha do momento narrativo para abordar no spec. Porém, tudo fica mais fácil com personagens já bem estabelecidas, tendo suas personalidade e conflitos já reconhecíveis pelo público leitor.
Isso vai economizar muitas cenas e diálogos de introdução e dar mais liberdade para experimentar dentro dos "limites" da série. Com essas bases narrativas, você pode propor um episódio bem diferente dos demais, abordando outros temas, gêneros ou mesmo linguagens.
Um bom exemplo de spec é o episódio "Connection Lost” (S6E16) da série "Família Moderna" (Modern Family, 2009-2020). Diferentemente da linguagem de mockumentary do resto da série, esse episódio foi feito todo em screen life e testa os limites do formato.
4. Exercite bem a voz das personagens
Parece algo simples, mas não é. Mesmo se você assistir a série dez vezes e ler todos os roteiros, diálogos ainda podem ser desafios. Por isso, é bom lembrar que o spec precisa ser encarado como um exercício, totalmente sem pressão de ser "perfeito".
Exercitar a voz das personagens quer dizer criar com consciência de que elas precisam ser diferentes. Cada pessoa tem um objetivo diferente quando fala, um modo de dizer as coisas, gírias, ênfases, subtexto, etc.
Escreva e reescreva até achar o equilíbrio entre entrega de informação, poesia narrativa, especificidade e intenção (coisa pouca…). Isso nos leva à dica final.
5. Reescreva (algumas vezes)
Como todo material escrito, o spec precisa ser retrabalhado pelo menos uma vez. Não é comum acertarmos o tom de todas as personagens de primeira, nem o ritmo ou mesmo a escolha das tramas.
Ao reescrever, "levante" ou "abaixe" o tom de algumas escolhas diegéticas, traga mais vida aos diálogos e não tenha medo de apagar uma cena inteira por já não achar mais que representa tão bem aquela personagem.
É também um processo que pode ocorrer depois de feedbacks, como um segundo exercício. Se o seu spec não tiver um objetivo profissional (por exemplo, algum outro profissional pediu para ler e avaliar), não precisa gastar muito tempo nisso. A ideia é você se sentir desafiado(a) e aprender muito sobre os mecanismos das suas tramas favoritas.
Lembre-se: um spec, hoje em dia, vale muito mais para o desenvolvimento pessoal como roteirista do que para vender seu trabalho. Se precisar escolher, priorize escrever um piloto ou longa-metragem original, para só depois trabalhar em um spec.
O spec ajuda muito também a revelar e desmistificar várias crenças que temos a nosso próprio respeito. Você acha que "nunca vai conseguir" escrever tão bem quanto roteiristas de sua série favorita? Acredita que não tem nada a ver com comédia, ou então com thriller policial? Experimente escrever um spec e veja como tudo isso muda no final do processo.
Afinal, essa estratégia narrativa ajuda a trazer o que mais admiramos para mais perto de nós, tendo também um papel importante na autoconfiança como roteiristas. Boa escrita!
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