Autora dedicada ao público infantojuvenil, Ray Tavares conta como foi sua transição para o audiovisual e dá dicas para quem quer escrever para a nova geração
Com mais tempo a sua disposição e facilidade em criar forte relação com aquilo que consome, o público jovem está na mira dos canais e plataformas de streaming há muito tempo. É justamente essa a fatia da população que mais espera por conteúdos novos, mas muitas vezes não encontra tudo o que procura no cenário nacional.
Roteirista, você desenvolve ou já pensou em desenvolver projetos infantojuvenis? Você conhece o verdadeiro potencial de mercado do conteúdo para o público jovem? Para entender esses e tantos outros pontos, conversamos com a escritora e roteirista Ray Tavares, autora de seis livros infantojuvenis, que somam mais de 50 mil exemplares vendidos. Nos últimos anos, Tavares também passou a se dedicar ao audiovisual e agora integra salas de roteiro junto com grandes nomes da indústria.
Um lembrete: esse é um conteúdo construído em colaboração com o pessoal da Revista Perpétua. Lá no site deles vocês conferem a primeira parte da entrevista com foco na carreira literária da autora Ray Tavares. Se interessou pelo assunto e quer conferir o conteúdo completo? Acesse através deste link:
Quem é Ray Tavares?
Autora e roteirista, Ray Tavares possui três livros publicados pela Galera Record, “Os 12 Signos de Valentina”, com os direitos vendidos para a Boutique Filmes, “Confidências de Uma Ex-Popular”, com os direitos vendidos para a Paris Entretenimento e “Heroínas”, além de "Carta aos Astros", publicado pela MapaLab por financiamento coletivo e "Hacker" e "O Natal dos Neves" pela Amazon, somando mais de 50 mil exemplares vendidos.
No Wattpad, plataforma de histórias online, atingiu a marca de mais de 4 milhões de leituras em todas as suas obras e foi vencedora do prêmio Wattys de Voto Popular em 2017. Desenvolveu ainda “Judas”, um audiodrama de thriller, formato inédito no Brasil, e “OTP - Um Par Perfeito”, audiobook de romance, ambos lançados pela Storytel. Atualmente, escreve o próximo livro para a Galera Record, "As Vantagens de Ser Você", previsto para o segundo semestre de 2021.
No audiovisual, seu projeto “Robin” foi vencedor do Melhor Pitching e Segundo Melhor Roteiro de Piloto no FRAPA 2019. Atuou como roteirista na terceira e quarta temporadas da sitcom infantil “Bugados” (Scriptonita/Gloob) e, junto com Bia Crespo, escreveu o longa “Aô Sofrência” em parceria com a Sentimental Filmes. Atualmente, é criadora e chefe de roteiro de uma série ficcional em parceria com a Conspiração Filmes, para canal ainda não anunciado. Além disso, também participa do desenvolvimento e sala de roteiro de outros projetos ainda não anunciados, com as produtoras Boutique, Sentimental Filmes, TDC Conteúdo e Scriptonita.
Da literatura ao audiovisual
“Eu escrevo desde os 13 anos, mas para o roteiro eu migrei em 2019”, comenta Tavares, que deu seus primeiros passos na literatura escrevendo fanfics da banda Mcfly. Segundo a autora, trabalhar com fanfic “trouxe um senso de comunidade”. Entre suas influências literárias citadas do cenário brasileiro está Babi Dewet e Meg Cabot, escritoras de sucesso no cenário nacional que também devotam sua carreira ao público infantojuvenil.
“E foi assim que eu comecei. Não foi planejado, foi muito natural. Eu era uma adolescente tímida, com nenhuma aptidão para esporte, nenhuma aptidão social, como a maioria dos roteiristas”, brinca Tavares, que alguns anos depois viria a publicar o seu primeiro romance “Os 12 Signos de Valentina”, que chegou a atingir a incrível marca de 2 milhões de leituras no Wattpad.
“Em 2017 eu recebi o convite para publicar pela Galera Record depois de muitos ‘nãos’, muitos e-mails, muitas recusas. A gente acha que o audiovisual é difícil, mas o mercado literário é muito complexo. Série, novela e filme todo mundo assiste… Agora ler é um nicho ainda, não é um grande mercado no Brasil”. - Ray Tavares
Publicar um livro não significa que a vida de uma escritora muda, assim, do dia para a noite. Ray Tavares relembra sua realidade na época - formada em Gestão Pública pela USP, Tavares dividia seu tempo entre o trabalho em uma empresa de consultoria e auditoria e sua verdadeira vocação, a escrita. Foi só quando assinou o contrato para o seu terceiro livro que Tavares decidiu pedir demissão para poder se dedicar integralmente à escrita.
"Nesse ponto eu tinha entendido que não daria para viver de livros, infelizmente são poucas as pessoas que vivem exclusivamente de direitos autorais no Brasil hoje”, comenta Tavares, que continua: “aí eu comecei a pesquisar as minhas possibilidades dentro disso. Nessa época a produtora Pródigo se aproximou de mim para tentar adaptar ‘Os 12 Signos de Valentina’. Foi aí que eu conheci melhor esse meio audiovisual”.
Na época, a adaptação do seu livro acabou não indo para frente, mas Tavares teve seus primeiros contatos com o meio audiovisual e decidiu investir na sua formação como roteirista através de cursos especializados.
Formação, networking e trabalho duro
“A literatura acaba sendo meio que um cartão de visitas para quem está migrando. A literatura serve para mostrar seu estilo, como você conta uma história. Acaba sendo um ponto positivo para o roteirista que não tem nada filmado ainda”, comenta Tavares sobre o lado positivo de entrar na área audiovisual já tendo publicado alguns livros.
Afinal, além de apresentar bem o seu estilo, se você conquistou algum público com a literatura, muito provavelmente esse público se tornará uma prova de que o seu trabalho atende a um nicho. Ou seja, uma “materialização” do seu potencial comercial. Como nem tudo são rosas (na verdade são poucas as “rosas no caminho”), Tavares também reflete sobre pontos negativos nesse processo de migração:
“Eu sinto também que um ponto negativo é que às vezes as pessoas têm um pé atrás - ‘olha lá a autora de livros que acha que sabe o que tá fazendo’. Aconteceu comigo, não sei se acontece com outras pessoas. Mas eu sempre deixei claro que estava estudando, aprendendo, pedindo uma chance para mostrar o que eu sei fazer. Alguns produtores e roteiristas acabam te marcando como ‘a garota do livro’, então tem um pouco disso também. É uma barreira.” - Ray Tavares
“Eu sinto hoje que muita gente fala que vai migrar da literatura para o roteiro, escreve um projeto e pronto, diz que é roteirista. Como que eu chego em uma profissão nova e digo que imediatamente sou também?”, reflete Tavares, que estudou o ofício na Roteiraria por dois anos antes de se apresentar como “roteirista”. Cursos especializados são ótimos ambientes para fazer networking, uma vez que além do objetivo em comum, normalmente os participantes têm acesso a materiais e projetos em desenvolvimento pelos colegas.
“Na Roteiraria eu fui conhecendo mais pessoas do meio. Conheci a Bia [Crespo] logo em seguida e consegui vender um projeto para a Paris Entretenimento, onde ela trabalhava na época”, responde Tavares. A autora brinca que 2019 foi “o ano do ‘sim’”, mas 2020 seria “o ano do ‘sim’ remunerado. Entre um estágio e outro, Tavares participou de muitas rodadas de negócios, desenvolveu projetos de graça e se apresentou a diversas produtoras.
“No final de 2019 eu e a Bia [Crespo] escrevemos o projeto ‘Robin’, baseado em um conto meu, e fomos para o FRAPA. Aprendi muito nesse processo com ela. E aí veio a minha primeira grande surpresa no audiovisual - a gente ganhou o Prêmio de Melhor Pitching e ficou em segundo lugar no Prêmio de Melhor Piloto. Foi a primeira coisa que escrevi na minha vida de roteiro e já ganhei alguma coisa, então eu pensei - ‘legal, depois desse tempo todo eu tive algum retorno, então acho que vou continuar investindo’” - Ray Tavares
Nesse meio tempo, Tavares adquiriu confiança como roteirista, vendeu os direitos do seu livro “Confidência de uma Ex-Popular” para a Paris Entretenimento e decidiu seguir investindo na sua formação. Esse trabalho de campo vinculado ao estudo constante garantiu a ela uma vaga na sala de roteiro da série infantojuvenil “Bugados” (Scriptonita/Gloob), criada por Luca Paiva Mello e André Catarinacho. “Passei 2020 inteiro fazendo a terceira e quarta temporada de ‘Bugados’ e desenvolvendo outros projetos”, comenta.
Ray Tavares não continuou em “Bugados”, pois agora integra uma sala de roteiro junto com a roteirista Bia Crespo em um projeto onde assina como criadora e headwriter (roteirista-chefe). “É a oportunidade da minha vida! Fiquei muito, muito grata”, responde Tavares, deixando claro que as informações sobre o novo projeto ainda são confidenciais.
Escrevendo para o público jovem
Embora hoje atue no mercado também como roteirista, Ray Tavares não abandonará a literatura. A autora afirma que continua escrevendo o seu próximo livro, mas com o ritmo menos acelerado: “meu ganha pão agora é trabalhar com roteiro”.
Além do talento com as palavras, um diferencial que ajudou Ray Tavares nessa transição foi o seu foco como autora: o público infantojuvenil. Principalmente agora, com a chegada do alto investimento das plataformas de streaming no Brasil, notamos a demanda por conteúdo infantojuvenil crescer, mas são poucos os roteiristas que hoje se dedicam ao gênero. A própria Tavares comenta que da sua turma da Roteiraria, ela era a única que estava ativamente desenvolvendo um projeto infantojuvenil.
Escrever para o público jovem pode ser um grande desafio, ainda mais quando os autores já não fazem mais parte dessa “nova geração”. Para Tavares, o fator do tempo também é outro desafio: “em menos de 5 anos muda tudo!”
“Como eu escrevo para adolescente, meu estilo é reconhecer que o adolescente é completamente capaz de consumir uma série sobre qualquer assunto que a gente levar para ele. Eu acho que estamos tratando adolescentes como idiotas, um pouco. Um adolescente é um pré-adulto, ele tá quase entrando na vida adulta, ele sabe do que ele tá consumindo. A gente tem produções como ‘Euphoria’, ‘Sex Education’, ‘Eu Nunca…’, produtos gringo que estão tratando o adolescente como um ser pensante, que está desenvolvendo a própria consciência no mundo”. - Ray Tavares
Quando falamos em “conteúdo para público jovem”, talvez alguns roteiristas pensem mais em “limitações” do que “liberdades”. Para Tavares, é justamente a liberdade criativa que a cativa nessa sua especialidade. “Para você escrever para o público jovem é preciso afundar na emoção. Um mês para um adolescente é um ano. A gente cresce e adquire vergonhas sociais e às vezes esquece como era”, responde Tavares.
“O adolescente consome muito! A criança depende exclusivamente dos pais e o adulto perde um pouco essa obsessão pelas coisas. O adolescente tá naquele meio do caminho - talvez ele já tenha uma graninha para gastar e é um público que consome muito e por muito tempo”. - Ray Tavares
A verdade é que o adolescente corresponde a uma grande fatia do mercado, principalmente para os streamings, onde os conteúdos infantojuvenis são, muitas vezes, “portas de entrada para novos assinantes”.
Além do potencial comercial do infantojuvenil, vale destacar que o mercado audiovisual, no momento, busca principalmente narrativas leves para contrapor ao cenário caótico que testemunhamos ao redor do mundo. Mais do que nunca nós precisamos sonhar, nos encantar por personagens fascinantes e dar boas risadas.
Desafios de escrever para o público jovem
Ray Tavares salienta o papel da pesquisa quando se espera desenvolver projetos para o público jovem, desde que seja uma pesquisa orgânica. A autora afirma ter uma conexão natural a temáticas infantojuvenis e utiliza muito o twitter como forma de estar atenta às tendências.
“O grande desafio de escrever para jovens, primeiro, é chamar a atenção dele. É muito conteúdo nacional e internacional, que vem de ‘n’ plataformas diferentes. Como é que você compete com o Tik Tok? As pessoas estão contando histórias cada vez mais elaboradas no TikTok”, provoca Tavares, mostrando que são inúmeras as plataformas que o jovem consome e como é difícil se destacar nesse meio.
“Querendo ou não, eu não sou mais adolescente. Um grande desafio é ficar realmente inteirada com o que o adolescente quer consumir. Hoje é uma coisa, ano que vem é outra. Tem que acompanhar esse ritmo intenso de mudanças”. - Ray Tavares
“Intenso” é uma boa palavra para entender o que significa dedicar-se a esse público. Você tem a chance de sonhar alto, pesar a mão nas emoções e apresentar o lado “mágico” do cotidiano. Para completar, temos um mercado que precisa desesperadamente de conteúdos para toda essa nova geração de adolescentes, que muitas vezes buscam séries e filmes de fora. Você quer escrever para o público jovem? Tem um projeto infantojuvenil? É um bom momento para você, roteirista!
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