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Escrevendo para grandes públicos (sem perder a voz autoral)

Atualizado: 29 de abr. de 2020

A co-roteirista de "Modo-Avião" (Netflix) Alice Name-Bomtempo compartilha dicas sobre a jornada do roteirista até a sala de roteiro de grandes projetos 


Alice Name-Bomtempo no Festival Mix Brasil (2017)
Alice Name-Bomtempo no Festival Mix Brasil (2017). Imagem: arquivo pessoal

Para roteiristas que estão iniciando a carreira ou que já estão no mercado há algum tempo, assinar um projeto de grande escala parece ser algo distante e complicado de se atingir.


Ao mesmo tempo, circula uma ideia de que só existem dois caminhos a se seguir: ou o de "cinema de arte" ou o "comercial", que envolve projetos com grande público e grandes parcerias como Netflix, Globo ou Amazon.


Mas a realidade é, ao mesmo tempo, mais complicada e menos maniqueísta que isso.


Roteirista do longa-metragem infanto juvenil "Modo Avião" (2020, Netflix) e de séries como "Vai Que Cola" (2013, Multishow) e assistente de roteiro em "Magnífica 70" (2015, HBO), Alice Name-Bomtempo já trilhou caminhos dos dois pontos de vista.


Participando tanto de laboratórios quanto de salas de roteiro comerciais, ela oferece uma visão única e importante que ajuda a esclarecer as dúvidas de muitos profissionais.


Como chegar a fazer parte de projetos com grande alcance de público? É preciso atingir um certo perfil de profissional? Como se diferem os processos de escrita desses diferentes formatos audiovisuais? Precisamos deixar de ser "originais" para escrever projetos comerciais?


Sobre essas e outras questões, Alice compartilha sua experiência pessoal trabalhando com vários formatos audiovisuais (todas as visões que ela traz são exclusivas suas e não necessariamente refletem a opinião da Netflix).


Um pouco da trajetória de Alice Name-Bomtempo

Alice nas filmagens de "Na Esquina da Minha Rua Favorita com a Tua" (2017). Imagem: arquivo pessoal
Alice nas filmagens de "Na Esquina da Minha Rua Favorita com a Tua" (2017). Imagem: arquivo pessoal

Alice entrou na faculdade de Cinema na UFF (Niterói) querendo ser roteirista e diretora. Ela obteve experiência em diversas áreas e acabou dirigindo dois curtas: "Todas as Memórias Falam de Mim" (2015) e "Na Esquina da Minha Rua Favorita com a Tua" (2016), ambos exibidos em vários festivais e mostras no Brasil e no exterior.


Com o tempo, percebeu que preferia escrever roteiros, apostando em dirigir apenas os próprios projetos. Isso a fez investir bastante da escrita e perseguir essa carreira profissionalmente. 


Hoje em dia, a roteirista já chegou num ponto da carreira onde muitos gostariam de estar: co-roteirizou, junto a Renato Fagundes, o longa-metragem "Modo Avião" para a Netflix. Pouco mais de um mês após o lançamento do filme, ele acabou batendo o recorde da plataforma de filme em língua não-inglesa mais assistido mundialmente.


Como Alice chegou nesse patamar?


No início da carreira, Alice percebeu que o mercado de roteiro era "a mais fechada" em termos de entrada, indicações e afins. Ela entrou de vez no mercado através do Curso Livre de Roteiro da AIC (onde também ministra um curso), conseguindo uma indicação para realizar assistência de roteiro na produtora A Fábrica (RJ).


Foi lá que Alice trabalhou por três anos, chegando ao posto de roteirista. "Foi minha principal entrada no mercado", diz ela, que realizou assistência de roteiro para a série "Magnífica 70" (HBO e Conspiração Filmes), roteirização para "A Vila" e "Vai Que Cola" (ambas sitcoms do Multishow) enquanto estava n'A Fábrica.

Elenco de "Vai que Cola".
Elenco de "Vai que Cola". Imagem: UOL

Por que participar de uma produtora foi fundamental? Pois "A Fábrica tinha um currículo muito bom e possuía espaço, com pessoas competentes e já inseridas no mercado", afirma Alice. Participar da série da HBO e "uma questão de de timing, estar no lugar certo, na hora certa" foram grandes pilares da carreira da roteirista.

Enquanto estava n'A Fábrica, eu ficava desenvolvendo meus projetos, inscrevia de laboratórios, ia em festivais com meus curtas, que tiveram boa trajetória. Fui conhecendo muito da produção e das pessoas que trabalham com produção no brasil." - Alice Name-Bomtempo

Ou seja, essa experiência permitiu Alice de desenvolver suas referências e também entendimento do mercado audiovisual brasileiro. Além disso, ela destaca que desenvolver projetos pessoais é fundamental na hora de encontrar sua "voz autoral" e as questões narrativas que mais importam para os roteiristas.


Alice destaca também sua participação no Festival Cabíria, onde leu e analisou muitos roteiros. Isso rendeu outra indicação e entrada numa produtora. Foi participando do desenvolvimento de outros projetos que a roteirista chegou até sua experiência com a Netflix.


Com sua trajetória e experiência em roteiro, Alice afirma: "Fui entendendo que quero ter a minha trajetória como realizadora dos meus projetos pessoais, que eu escrevo e dirijo". Um exemplo é o projeto "Nina e o Abismo", vencedor do edital da prefeitura de Niterói, e o longa de terror "Casa da Mata", que já acumula muitos festivais e laboratórios. 


Com tudo isso em seu histórico, a roteirista conseguiu nos dar um panorama bem completo sobre as diferentes salas de roteiro que existem por aí - e como chegar até elas.


A sala de roteiro através dos diferentes formatos 

"Modo Avião"
"Modo Avião". Imagem: Metrópoles

O processo de sala de roteiro é quase obrigatório na televisão e segue algumas regras de formação. Algumas possuem um showrunner, outras também abarcam o diretor-geral na criação e assim por diante.


Alice já passou por muitas configurações de criação, participando de sitcoms, séries ficcionais e até reality shows. A experiência mais "fora da curva" nesse aspecto foi o do longa-metragem Modo Avião


Ela conta que o longa, encomendando pela Netflix, partiu de um roteiro adaptado de Alberto Bremmer e não teve necessariamente uma sala de roteiro. Sobre o processo de escrita, ela relembra:


Era a gente discutindo, escrevendo, às vezes decidindo coisas, mexendo na escaleta, decidindo quem iria abrir cena e contando com retornos da Netflix. E também, às vezes, reuniões com o César Rodrigues, que foi o diretor. Mas não era sala de roteiro. Tinha retornos da netflix, para entender os caminhos do filme, mas não chegou a ser uma sala de roteiro. - Alice Name-Bomtempo

Quanto à séries, Alice participou de alguns processos bem diferentes entre si.


"No caso do 'Vai que Cola', do Multishow, foi um processo muito específico do programa, que é um sitcom de 45 minutos de duração com 40 episódios por temporada, um formato muito específico", relata. 

Então é uma escrita muita intensa, de muita gravação, muitas alterações que acontecem, às vezes, muito perto do tempo e você precisa escrever muito rápido. É legal porque, como é um teatro filmado, os roteiristas acompanham o set e a gente vê muito rápido o que funciona e o que não funciona. - Alice Name-Bomtempo

Essa dinâmica é realmente bem específica das séries de auditório e sitcoms. Quando se trata de uma série ficcional autoral, a questão da leitura de diálogos ou dinâmicas de cena pode ser mais distante de se vislumbrar. 


Por isso, é importante que hajam leituras de grupo ou de elenco no desenvolvimento de projetos, pois esse tipo de experiência acaba sendo equivalente ao processo de Alice menciona.

"Magnífica 70"
"Magnífica 70". Imagem: Guia da Semana

E a configuração de uma sala de roteiro mais tradicional? Alice relembra sua experiência como assistente na série "Magnífica 70", da HBO em colaboração com a Conspiração Filmes. A sala contava com a liderança do showrunner Cláudio Torres, três roteiristas e assistente. 


Já a sala de outra série sigilosa para a Globoplay que Alice participou era maior: um assistente, cinco roteiristas, uma coordenadora e o criador.


A experiência de roteirizar um reality show também traz seus desafios específicos. Nesses processos, o roteirista deve, idealmente, "estar mais próximo do set, de questões da produção", diz Alice, a fim de entender totalmente como funciona o fluxo de alterações e até mesmo de estrutura.


Em conclusão, a configuração da sala, do processo de escrita e de produção varia muito de projeto a projeto


É uma rotina intensa. É muita coisa para se escrever. Duração de sala de roteiro varia, já vi duração de sala de roteiro de 7 - 8h de reunião direto, já vi de menos tempo, com 4h ou 5h. Às vezes você nem vai estar trabalhando essas 7h por dia, necessariamente, mas tem dias que você vai trabalhar muito mais - seja em reunião ou escrevendo em casa. - Alice Name-Bomtempo

Escrevendo para grandes públicos vs projetos pessoais

Alice no Festival Mix Brasil (2017).
Alice no Festival Mix Brasil (2017). Imagem: arquivo pessoal

Muitos roteiristas acreditam que exista um processo ideal para escrever um projeto de grande alcance. Alice desmente essa noção: "Não existe fórmula para acertar um filme que alcance um grande público", diz.


Ela destaca que o entendimento dos códigos de gênero (no caso de "Modo Avião", basicamente os beats de filmes adolescentes e de comédia) e a colaboração entre os profissionais envolvidos foram pontos-chave no processo de escrita do filme. 


Portanto, é fundamental que o roteirista domine as estruturas narrativas clássicas, bem como já tenha tido experiência de escrita com o gênero narrativo que gostaria de trabalhar.


O roteirista escreve por encomenda, então acho que a gente tem que ter a humildade de entrar em vagas e projetos que talvez não seja necessariamente o que a gente quer, seja o trabalho dos sonhos ou que não seja o perfil do gênero, formato que nos interessa, mas ter a confiança de que a gente está se dedicando e realizando um trabalho ali. - Alice Name-Bomtempo

É perceptível que, hoje em dia, existam roteiristas iniciantes que queiram pular essas etapas iniciais e já partirem para seu contrato com a Amazon - mas não é bem assim que acontece a inserção no mercado. 


Para além dessa questão, se existe um "segredo" para acertar em qualquer roteiro, pode-se dizer que está na boa estrutura narrativa e também na crença do roteirista no projeto


Mesmo não sendo um projeto autoral, "Modo Avião" é um marco no currículo de Alice. "Para fazer projetos meus, isso ajuda, mas ainda é uma batalha", afirma a roteirista.


Sobre a diferença entre trabalhar em projetos por encomenda e autorais, ela afirma: "São outro desafios". 


É diferente fazer um filme com algumas coisas decididas [...]. Teve o processo de descobrir o filme [Modo Avião], enquanto a gente escrevia, eu e Renato, mas as regras do jogo estavam um pouco mais dadas para a gente descobrir. No caso de um projeto original, é meio terapia, literalmente. De você descobrir o que exatamente o quer falar. - Alice Name-Bomtempo

Afinal, a alma do projeto original - em qualquer formato que seja - está no roteirista. Quando comenta sobre isso, Alice repete a frase da atriz e roteirista Michaela Coel, da série "Chewing Gum" (2016) :


Seu roteiro é uma história, é precioso. Você está escrevendo porque você quer estar no Netflix ou porque tem um desejo ardente de comunicar uma história que desaparecerá para sempre, a menos que você a conte? Espero o último. Preocupe-se com Netflix e TV mais tarde. - Michaela Coel
Michaela Coel em "Chewing Gum"
Michaela Coel em "Chewing Gum". Imagem: Abril

Onde está o equilíbrio entre projetos com maior alcance e os projetos independentes, que começam "do zero"? 


Por exemplo, Alice está atualmente desenvolvendo o filme de terror "Casa da Mata" (que acumula passagens por diversos eventos, como Cabíria e Talents Buenos Aires). Nesse caso, ela aposta na potência comercial de um filme de gênero, mas também na sua própria voz - que é algo em constante descoberta. 


"Também acho que existe o lado mais comercial. Mesmo cinema de arte é comercial, ao meu ver", afirma Alice. 


Ela continua: "Então também acho que tem o lado da gente entender até onde a gente joga o jogo de desdobrar o que certa janela que nos interessa busca. Então, o que o mercado de TV tá buscando ou de filme de arte tá buscando, enfim. E também até onde a gente vai defender algo que é um pouco mais fora da linha mas que a gente acredita". 


Fica cada vez mais fácil de perceber o quanto é importante que o roteirista conheça o mercado audiovisual ao seu redor. Os caminhos possíveis, as demandas e, principalmente, por onde entrar.


Logo, a questão de escrever um projeto de grande alcance não requer sacrificar a voz autoral do roteirista. A questão aqui é ter essas ferramentas narrativas de expressão pessoal bem desenvolvidas.


Acho legal não pensar em obras comerciais ou com grande apelo ou alcance popular em oposição a obras artísticas. Acho que fazem muito esse julgamento de valor e análise do que seria uma boa arte de qualidade versus algo de apelo popular. Também diz-se que o grande público não precisa de algo bom, que gosta de qualquer coisa. Falam muito isso em relação à comédia. Acho que isso são duas grandes mentiras, acho que temos grandes obras que provam que não. - Alice Name-Bomtempo

Alice crê que o entretenimento não deixa de ser reflexivo e comunicativo - pelo contrário, que esse tipo de produto audiovisual traz questões pertinentes de maneira mais acessível. Inclusive, acredita que essa acessibilidade "não tira o valor artístico" dos projetos de grande alcance. 

Parasita
"Parasita". Imagem: reprodução

Para ilustrar essa questão, ela traz o exemplo do filme "Parasita" (Parasite, 2019), que venceu a Palma de Ouro em Cannes, um dos mais altos reconhecimentos do circuito de cinema de arte, e também 4 estatuetas no Oscar - o maior título de reconhecimento comercial norte-americano. 


O filme sul-coreano, que lucrou em torno de US$ 165 milhões nas bilheterias mundiais, traz questões sócio-políticas envernizadas com um forte domínio artístico por parte de Bong Joon-ho, seu realizador. Ou seja, ter essa noção de hibridismo é importante tanto para autores como para o público, na hora de "categorizar" os produtos audiovisuais.


Como se apresentar para conseguir trabalhos maiores?


Antes de se apresentar para canais em rodadas de negócio ou reuniões, é necessário formar um portfólio e uma base de conhecimento por parte do roteirista. 


Alice, por exemplo, gosta muito de comédia e animação, algo que estuda e tem muita curiosidade de escrever. "Uma coisa legal de trabalhar com roteiro é isso de ir correndo atrás do que nos interessa fazer, os projetos que a gente acredita, que são coisas nossas", afirma. 


Em meio disso, ao trabalhar por encomenda ou em projetos diferentes, ela afirma que "também surgem coisas que você não necessariamente esperava e são coisas legais".


Nessa empreitada, o roteirista tem alguns caminhos a seguir, como laboratórios de roteiro, rodadas de negócio, núcleos de desenvolvimento e outros. 

Alice Name-Bomtempo.
Alice Name-Bomtempo. Imagem: Facebook

Alice compartilha conosco algumas dicas que fizeram parte da sua trajetória e que podem ajudar os roteiristas que querem firmar acordos com grandes produtoras:


1. Investir em cursos de roteiro


Alice afirma que não precisam ser muitos ou super caros. O interessante é se especializar e escolher os cursos "a dedo", utilizando-se também de referências escritas para estudos


Para Alice, o ambiente do curso de roteiro é um local para aprender e conhecer pessoas do mercado - ou seja, pode ser uma porta para indicações de trabalho.  


2. "Entender o momento em que você está" na carreira 


Conhecer pessoas e filmes indo em festivais e laboratórios é uma boa pedida para qualquer roteirista, mas se torna algo bem necessário quando se é iniciante.


Nisso, também entra a obrigatoriedade de estar desenvolvendo seus próprios projetos. "Quando se é iniciante, não é tanto uma questão ter coisas realizadas" diz Alice. O importante é ter projetos escritos para mostrar à produtoras ou players.


3. Adquirir experiência como assistente de roteiro


Alice aposta muito na posição de assistente de roteiro como caminho para participar de um projeto de maior escala. 


"É uma ótima porta de entrada porque é uma função que costuma mais próxima da produção toda. [O assistente] anota tudo, sabe tudo, vira uma espécie de bíblia ambulante", afirma. 


"Ainda que não esteja escrevendo, você ganha muita experiência e contatos com os canais" diz a roteirista, que passou um tempo preparando sua carreira nessa posição. "Assistente é quase um aprendiz de showrunner", diz. 

Alice nas gravações de "Na Esquina da Minha Rua Favorita Com a Tua"
Alice nas gravações de "Na Esquina da Minha Rua Favorita Com a Tua". Imagem: acervo pessoal

Sobre o perfil do roteirista que os canais normalmente buscam, Alice destaca que a experiência com o formato ou gênero do projeto é muito relevante.

Tem a ver com níveis de experiência. Por exemplo, se é uma sala de roteiro que tem prazo mais curto e tem que funcionar em engrenagem, mesmo o assistente é importante que seja experiente. [...] Acho que a mesma coisa vale para roteirista. - Alice Name-Bomtempo

Nas salas de roteiro do mercado, existem nomenclaturas e hierarquias para os roteiristas quea s compõe, tais como sênior, junior, etc. Para Alice, "a montagem da sala de roteiro tem a ver com esse equilíbrio. Em função das demandas do projeto, tem a ver com experiência e também com afinidade com o tema ou gênero". 


Ainda de acordo com a roteirista, outro ponto importante para a carreira é "ter um bom texto para apresentar, um bom piloto por exemplo", diz. Afinal, "você conhece o roteirista pelo texto". 


"Se você quer ser roteirista de TV, escreva pilotos, arcos de temporada, pois isso mostra bastante do seu entendimento sobre estrutura. Se quiser ser roteirista de longa, mesma coisa", conclui.


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