Natural da cidade de Porto Alegre (RS), o cineasta Eduardo Ayres Soares, que hoje vive em Los Angeles, nos conta em detalhes a sua trajetória no audiovisual em terras norte-americanas
Viver de audiovisual é complicado, ainda mais em um país como o Brasil. Por isso mesmo muitas pessoas sonham em tentar carreira nos EUA, a terra de Hollywood e milhares de oportunidades para quem vai atrás da jornada cinematográfica.
Mas como fazer esse trajeto? Existe jeito fácil de viver de audiovisual nos EUA? Que tipo de oportunidades aparecem para quem tenta a sorte em terras norte-americanas? Vamos entender melhor com quem já passou por tudo isso e hoje vive esse sonho.
Nós batemos um papo muito instrutivo com Eduardo Ayres Soares, diretor de cinema que saiu de Porto Alegre e hoje coleciona experiência em Los Angeles, se dividindo em diferentes funções para tirar todas as suas ideias do papel.
Quer saber o que Eduardo fez para chegar onde chegou e os projetos que ele vem desenvolvendo nos EUA? Acompanhe a nossa entrevista exclusiva!
WR51: De onde você vem?
EA: Nasci em Porto Alegre em 1989. Fui criado pelo meu pai dos 7 aos 16 anos, até quando revelei a minha orientação sexual pra minha família e então me mudei para o bairro partenon para morar com a minha mãe e irmão mais novo. É importante essa informação, pois a minha identidade como LGBT tem sido um tema recorrente nos meus trabalhos e hoje me considero um queer director.
WR51: Como nasceu o seu interesse em fazer cinema/audiovisual?
EA: Sempre tive um interesse por filmes e contação de história. Na minha juventude eu tive um grupo de RPG no qual eu era mestre e frequentemente eu escrevia as histórias das sagas. Jogamos por anos e são tantos enredos que escrevi, que perdi a conta faz muitos anos. Assim nasceu o meu primeiro contato com contação de histórias, o chamado storytelling.
WR51: Qual sua formação e como foi o começo da sua trajetória no audiovisual?
EA: Meu interesse por cinema se intensificou quando recebi uma bolsa de estudos pelo PROUNI para estudar Artes Visuais na ULBRA. Na época, pensei que se tratava de ensino de audiovisual, no entanto, se tratava de educação artística. Eu já trabalhava como designer gráfico para um pequena empresa, e posteriormente para o Jornal O Sul da Rede Pampa.
Nessa época comecei a dar aulas de artes em escolas para o ensino médio e fundamental. Eu sei o que você deve estar pensando, isso não tem nada a ver com cinema. Entretanto, eu acredito que o design gráfico, a arte, e o ato de ensinar foram fundamentais na minha formação. O design gráfico me permitiu desenvolver um senso estético, uso da teoria das cores, a arte da imagética, composição, etc. As artes visuais me ensinaram a analisar imagens, questionar ícones, e a cultura como um artefato. O Ensino me mostrou como me expressar de uma maneira eficaz.
WR51: Sair do Brasil para perseguir o sonho de se tornar realizador audiovisual aí fora era um objetivo que existia desde sempre? Como foi o planejamento para essa tomada de decisão?
EA: Eu sabia que queria ir estudar nos EUA desde que eu tinha 18 anos, mas só consegui ir quando tinha 24 anos. Comecei a aprender inglês autodidata desde cedo, fiz amizades com vários americanos pela internet. Eu sempre achei que algo iria acontecer, uma oportunidade iria surgir, então eu sempre tentei estar preparado para o que fosse vir. Quando soube do Ciência sem Fronteiras, todo mundo me disse que teria muita concorrência.
A maioria das pessoas que conhecia não iria se aplicar porque achavam que só os mais fodas conseguiriam a bolsa. Na minha cabeça na época, eu não estava nem aí, eu só queria tentar, para que eu um futuro distante não ficasse decepcionado por nunca ter tentado. Gastei dinheiro com o TOEFL, que foi caríssimo, mas fiz a prova mesmo assim. Tem momentos na vida que o importante é tentar, não perder oportunidades por falta de auto-estima. Eu passei 6 anos visualizando os meus estudos nos EUA até que isso ocorreu.
Tem que se manter a visão nos objetivos e trabalhar em metas menores que ao serem concretizadas te levam mais perto do seu grande propósito. Quando cheguei nos EUA, eu estava estudando no Allegheny College por dois semestres. Mas eu queria ir para uma das melhores universidades do país.
Mandei email pra varios professores nas melhores universidades americanas pedindo por um direcionamento do que fazer no meu verão nos EUA. Um dos professores me escreveu de volta e me ofereceu uma vaga na aula dele. Durante o verão de 2013, eu participei do “Sight and Sound: Filmmaking” na NYU Tisch. Aprendi mais naquela cadeira sobre produção cinematográfica que em todo o resto dos meus estudos até aquele momento. Nesse ano participei de 25 curta-metragens nos EUA.
WR51: Quais foram as maiores dificuldades e desafios que você percebeu no mercado audiovisual brasileiro?
EA: Voltar para o Brasil foi uma das etapas mais difíceis que já enfrentei. Ninguém aqui sabe o que é NYU Tisch. Ninguém se importa se você tem educação em cinema. Conseguir um emprego no audiovisual sem conhecer ninguém é difícil. Os empregos acontecem por indicação, e aqui nos EUA é a mesma coisa. Em um dos eventos/palestras que eu participei no Brasil assim que cheguei dos EUA conheci uma pessoa que, no futuro, me ajudou a entrar para uma produtora como editor estagiário. Tanto nos EUA como no Brasil, uma das chaves para o sucesso são as conexões, quem você conhece. É uma mistura de determinação, conexões e talento.
Quando entrei na produtora no Brasil, comecei como estagiário. Passei para editor, e no final tive o grande privilégio de ter dirigido dois episódios da série de TV que eles estavam produzindo. Esse é um dos momentos que acredito se aplica a regra de “estar preparado”.
Eu realmente não acredito que eu era o mais qualificado para fazer a direção, mas eu certamente estava no local certo e na hora certa, estava preparado, eu sabia o que estava fazendo e o meu chefe e colegas decidiram me dar essa oportunidade, o que eu sou muito grato. Novamente: estar preparado e ter conexões são muito importantes e é claro, confiar em si mesmo. Ninguém coloca poder nas mãos de pessoas inseguras.
WR51: Como foi essa transição para os EUA? Qual foi o seu caminho a partir daí?
EA: Eu já estava buscando um mestrado nos EUA há muito tempo. Eu sabia que havia muito mais oportunidades fora do Brasil para mim. Consegui uma bolsa de estudos pela Universidade de Utah, com tudo pago, e ainda recebendo um salário para ensinar na instituição. Fui aceito em várias outras instituições, incluindo USC, mas somente essa me deu bolsa de estudos completa. Fui morar em Salt Lake City em 2016, cidade vizinha de Park City onde acontece o Sundance Film Festival todos os anos. Se mudar para uma nova cidade é sempre um recomeço.
WR51: Como funcionou essa inserção em um novo mercado audiovisual?
EA: Chegando em Utah, ninguém me conhecia. Comecei fazendo pequenas coisas no set de filmagens, ajudando amigos, me reunindo com eles e criando projetos juntos. Com o passar do tempo você começa a chamar atenção quando as pessoas percebem que você é competente, está disponível, cumpre aquilo que promete, e que é fácil de trabalhar. Sempre trabalhando muito nos meus próprios projetos e pedindo feedback até o ponto de ser chato. Eu estava muito determinado a aprender e a ser o melhor nesse área.
WR51: Que tipo de projetos vem aparecendo para você nos EUA?
EA: Nesse meu tempo aqui nos EUA tenho feito direção de fotografia para vários curtas, incluindo comerciais, ficção e curta experimental. Fui chefe de elétrica em um comercial chinês, e em um longa-metragem ano passado. Tenho feito bastante edição ultimamente e correção de cor. Tenho trabalho com festivais de cinema, sou o diretor do Slamdance TV, e fui Coordenador Técnico do AFI Fest. A maioria desses trabalhos vem de indicação, pessoas que conhecem o meu trabalho e me indicam. Essas pessoas percebem o meu esforço e perfeccionismo e começam a me indicar para outras pessoas.
WR51: E os seus projetos como diretor?
EA: Desde que cheguei nos EUA decidi que iria me focar em direção. Tenho dirigido quase dois curtas por ano. Um dos meus maiores trabalhos foi Chasing the Dragon, um curta-metragem de suspense sobre um detetive transgênero investigando um caso de overdose em uma cidade pequena e conservadora em Utah. Recebemos diversos prêmios: melhor atriz, melhor direção, melhor cinematografia. Estivemos em vários festivais, o que abriu várias portas para mim. Eu percebi que a visão que os outros têm de você no audiovisual é muito importante. Se os seus contatos te veem como um editor, eles sempre vão te indicar para trabalhos de edição. Por isso Chasing the Dragon é tão importante na minha carreira, pois esse foi o trabalho que fez as pessoas a minha volta me verem como diretor, e editor ou diretor de fotografia em segundo.
WR51: Quais são os seus projetos atuais?
EA: Esse ano terminei um curta experimental que é a joia do meu coração. Não enviei para festivais de cinema e provavelmente não vai ganhar vários prêmios, mas esse curta eu fiz para mim. Quando olho pra ele, eu vejo como as minhas habilidades melhoraram e o diretor que eu me tornei. Agora vivo em Los Angeles, me mudei para cá em setembro. Terminei o primeiro roteiro de uma série de TV que estou escrevendo baseado no meu curta-metragem Chasing the Dragon. Estou trabalhando com um roteirista no meu próximo curta, um horror psicológico found-footage que espero gravar ano que vem.
WR51: Que dicas você poderia dar para quem também quer morar no exterior?
EA: Estudar nos EUA não foi fácil, deixar todos os seus amigos e família para trás. Os primeiros 6 meses são difíceis e se prepare psicologicamente. Falar em inglês de vez em quando é bem diferente de falar 24 horas por dia, chega um ponto onde o seu cérebro frita. A comida é diferente e não é boa comida na maioria das vezes, a comida brasileira é um manjar dos Deuses comparado com a americana. A maneira como eles se relacionam é muito diferente também, e eu só percebi como nós brasileiros somos quando cheguei aqui.
Faz parte do processo e é importante entender essa dinâmica para ir morar no exterior. Outra dica é se dedicar e ter foco nos seus objetivos, não se distraia com outras coisas. É fácil jogar tempo fora quando tudo no outro país nos fascina, quando tudo que você viu nos filmes desde pequeno vai estar na sua frente para você usar e viver aquela experiência.
WR51: E que dicas você poderia dar para quem também quer seguir o mesmo caminho que você?
EA: Entre as várias dicas eu diria: saber manter o foco nos seus objetivos, trabalhar e aprender a arte do cinema e a ser determinado e perfeccionista. Entretanto, as duas melhores dicas que eu poderia dar são: produza filmes e crie conexões com pessoas.
Só se aprende a ser um diretor dirigindo, a ser um editor editando. Se ninguém quer te pagar para isso, faça por conta própria. Crie conteúdo, escreva os seus roteiros, se junte com seus amigos e coloque na tela as suas ideias e percepção de mundo. Dificilmente alguém vai lhe dar a oportunidade de ser um diretor se você nunca dirigiu um curta. Trabalhe em um roteiro que você acha que tem potencial, peça a opinião de pessoas experientes em roteiro para te dar feedback. Reúna um grupo de pessoas que compartilham da mesma paixão que você tem.
Em novembro de 2019 tive a oportunidade de assistir a um painel com os produtores executivos das maiores empresas de cinema dos EUA, incluindo a Netflix. Uma das falas durante o evento ficou comigo. Eles diziam que quando uma pessoa em um grupo criativo ascende na carreira, todas as outras ascendem também. Disseram que temos que ajudar uns aos outros, e que eles mesmos estão sempre disponíveis a ajudar diretores que estão começando.
Eu mesmo já ajudei outros a conseguir emprego ou até mesmo a aplicar em Universidades aqui nos EUA, sempre dou feedback em filmes e ajudo como posso. Acredito que ser um “mentor” faz parte do nosso ramo. Seja humilde para aprender com os outros, bondoso para ajudar aqueles que precisam e a ensinar aqueles que sabem menos sobre produção cinematográfica. Tem muito ego no nosso meio, e se você conseguir se despir das vestes do “cineasta”, você só tem a ganhar.