O que são as famosas "convenções"? Qual a diferença entre tropes e clichês? Entenda o básico e reflita sobre os elementos da sua narrativa!
Você já assistiu um filme que era para ser de terror… mas não tinha monstro ou assassino, perseguições, tensão ou mesmo sustos? Provavelmente, aquele não era um filme de terror convencional.
E não existe problema algum nisso. Porém, quem escolhe o caminho de escrever narrativas comerciais de gênero sabe da importância de reconhecer as convenções de cada estilo, bem como tropos (ou tropes) de personagens ou jornadas.
Mas todas as convenções contam como tropos? Ou é o contrário? Como não se confundir?
Para ajudar a esclarecer a diferença entre convenções de gênero e tropos, traduzimos, adaptamos e complementamos o texto da editora literária Savannah Gilbo, que você pode ler em inglês aqui. Savannah escreve sobre livros, mas suas dicas são sempre válidas para histórias audiovisuais. Confira!
O que são convenções de gênero?
Convenções de gênero são elementos da história, como arquétipos de personagens e eventos-chave, que são comuns de serem encontrados em um gênero específico.
Essas convenções não apenas definem cada gênero específico, mas também definem as expectativas do público de uma história nesse gênero. Então, por exemplo, se alguém assistir a um romance, essa pessoa terá expectativas diferentes para essa história do que teria se visse um terror, certo? Isso porque cada gênero tem um conjunto específico de convenções e cenas obrigatórias que o fazem funcionar.
Essas convenções e "cenas obrigatórias" são objetivas, o que significa que elas precisam existir em uma história para dar forma a ela e fazê-la “funcionar” de acordo com as diretrizes do gênero. Aqui estão alguns exemplos de convenções de gênero:
Em uma história de mistério, você esperaria que houvesse pistas reais e pistas falsas para o detetive seguir. Essas pistas reais e falsas são uma convenção do gênero mistério.
Em um romance, você esperaria que houvesse um encontro, um primeiro beijo e talvez um interesse amoroso rival. Estes são parte da convenção do gênero romance.
Em uma história de ação ou aventura, você esperaria que houvesse uma figura mentora que ajudasse a protagonista a aprender, crescer e mudar. Esta é uma convenção do gênero de ação e também aventura.
Em um filme de terror sobrenatural, você esperaria ver ou ouvir fantasmas, descobrir segredos do passado. Estas são convenções do terror sobrenatural.
Agora, em cada um desses exemplos, observe que não são elementos muito específicos. O mentor do filme de ação é apenas um papel actancial concreto, que você precisa preencher da sua forma. Esse papel tem um propósito muito específico na história geral.
Teorias que se utilizam desses tipos de arquétipos foram criadas por diverses autores, como John Truby, Robert McKee e Linda Aronson. Mas como isso se conecta a tropos de personagem?
O que são tropos de gênero?
Tropos (ou tropes, em inglês) são uma maneira específica de entregar ou apresentar convenções de gênero ou cenas obrigatórias em sua narrativa. São estabelecidas a partir da percepção geral de uma repetição narrativa ao longo dos anos, aparecendo em personagens ou no próprio enredo.
Então, continuando com o exemplo de uma figura mentora em uma história de ação, vamos pensar em algumas maneiras de apresentar essa figura na narrativa. Você pode ter um velho com uma longa barba branca, ou um eremita anti-social que vive nas montanhas e vive da terra. Você pode ter uma mentora excêntrica de meia-idade que se veste muito bem, ou você pode ter uma criatura mítica atuando como mentora.
Essas formas específicas de apresentar convenções de gênero em sua história são o que considero tropos – são interpretações subjetivas de uma convenção, amplamente utilizadas nas narrativas por aí.
Se o seu gênero exige uma figura mentora, isso não significa que precisa ser um Gandalf ou um Dumbledore. Você pode literalmente construir quem você quiser, desde que satisfaça a convenção. Na verdade, é só assim que você torna sua história única – satisfazendo as convenções do seu gênero de uma maneira nova ou inesperada.
Mas o que aconteceria se você deixasse a convenção do papel de mentor fora de sua história de ação? O público provavelmente sentiria falta de alguém para preencher esse papel. É possível, até, que a própria pessoa espectadora tentasse preencher esse vazio, confundindo-se com outras personagens e suas funções.
Não apenas isso, mas a função que o mentor desempenha em sua história não seria cumprida. Então, sem uma figura aliada e sábia, que ajuda seu protagonista a aprender, crescer e mudar, como mostrar esse aprendizado de maneira crível? Quem está lá para apontar o que é certo e errado para a sua protagonista? Ou para mostrar-lhes os caminhos do mundo? Ou prestar assistência?
Isso ilustra algo muito importante na questão de convenções de gênero x tropos: as convenções geralmente têm uma razão objetiva para que existam em uma história, enquanto os tropos geralmente não.
Lembre-se: arquétipos se referem mais ao papel da personagem, enquanto tropo é relativo à personalidade dela ou seu papel como reconhecido na cultura pop. Arquétipo é algo anterior ao tropo e possui características mais "neutras". O tropo já se baseia em pessoas ou situações mais "reconhecíveis" e repetidas.
Portanto, as convenções de gênero precisam ser atendidas para que sua história funcione e satisfaça as expectativas dos leitores. Mas a maneira como você entrega essas convenções, ou os tropos que você escolhe usar, depende totalmente de sua imaginação.
Como evitar clichês e estereótipos na construção de tropos
É importante perceber que algumas pessoas amam certos tropos, enquanto outras acham alguns cansativos e clichês. E, hoje em dia, fica fácil perceber como personagens e jornadas estereotipadas são nocivas.
Se um certo tropo é usado muitas vezes em um gênero específico, pode começar a parecer clichê, porque o público vê essa convenção da exata mesma maneira com muita frequência.
O problema é quando esses tropos são utilizados como desculpa para personagens mal pesquisadas, simplistas e socialmente nocivas!
Saiba mais sobre essa questão nesse vídeo da Carissa Vieira:
Aqui estão mais alguns exemplos de convenções sendo apresentadas como tropos:
A pessoa "escolhida" que precisa derrotar o lorde das trevas. Esta é apenas uma forma de apresentar a protagonista e a antagonista de uma história. Ambas são obrigadas a pertencer a uma história que funcione, mas a maneira como você as apresenta não é necessariamente sempre nessa configuração/representação. Depende totalmente de você e da sua imaginação.
O triângulo amoroso em um romance. Um triângulo amoroso é uma convenção do gênero romance. Tropos comuns que são usados para apresentar essa convenção são um pretendente rico vs. um pretendente pobre, dois irmãos interessados na mesma pessoa, etc. Agora, dependendo do tipo de história de amor que você está escrevendo, pode haver uma boa razão para incluir um desses tropos como uma representação do encontro com a convenção do gênero triângulo amoroso. Então, por exemplo, se sua história tem algo a dizer sobre o tema "ser rico x ser pobre", pode fazer sentido ter um pretendente rico vs. um pretendente pobre em seu triângulo amoroso. Esse tropo ajudaria você a cumprir a convenção do gênero e provavelmente o ajudaria a comunicar o tema da sua história.
A figura da Final Girl que sofre muito, mas sobrevive no final. Essa convenção do terror faz sentido e ainda é muito utilizada, mas muitas vezes pode ser bem previsível. Se o filme inicia com foco exclusivo em uma pessoa, já imaginamos que ela irá sobreviver. A questão é entregar os desafios e superações de maneiras novas ou inesperadas, sempre pensando nas especificidades daquela personagem. Já prestou atenção na trajetória da Regan, de Um Lugar Silencioso (2018)?
Agora, conheça alguns erros comuns quando se trata de tropos e convenções - e como evitá-los.
3 erros comuns no uso de convenções e tropos de gênero
1. Ignorar convenções de gênero por achar "previsíveis" ou "clichês"
Não quer utilizar uma convenção na sua história? Sem problemas! Mas faça isso conscientemente, e não por achar que vai estar caindo no "clichê".
Essa abordagem é um erro porque as convenções de gênero nos ajuda a escrever uma história funcional dentro de um gênero – elas nos ajudam a satisfazer as expectativas que o público tem.
O que geralmente acontece nesse cenário é que roteiristas optam por ignorar as convenções de gênero e acabam com uma história que não funciona ou não se encaixa em nenhum gênero. E, quando se fala em cinema comercial, isso pode ser um problema.
Por exemplo, romances tendem a ter uma má reputação porque as pessoas pensam que são previsíveis, em grande parte devido ao fato de que, para escrever um romance, você precisa de um "final feliz". Porque, quando você pensa em um romance, pode pensar em elementos como um casal, beijos ou intimidade, algo que os separa, um grande gesto amoroso e um final feliz para sempre, certo?
Essas coisas são esperadas por espectadores ou fãs do gênero. As pessoas lêem e assistem histórias de romance para se sentirem insatisfeitas ou até enganadas se não enxergarem essas coisas lá.
Agora, é totalmente possível subverter algumas convenções (como o final feliz, por exemplo) e isso é até bem-vindo hoje em dia.
Mas lembre-se de que as cenas e convenções obrigatórias de um gênero estão lá por um motivo positivo e comercial. Se você escolher mudar alguma convenção, seu filme poderá não ser tão comercial quanto você pretende.
2. Incluir um monte de tropos em sua história que não servem a nenhuma função
Se você não sabe por que está colocando algo em sua história, isso provavelmente não deveria estar lá.
O que geralmente acontece nesse cenário é que roteiristas procuram uma "lista de tropos” de gênero e depois os colocam em sua história, esperando que isso tenha o efeito desejado no público. Mas a verdade é que essa estratégia geralmente não funciona, porque os tropos, ao contrário das convenções, não têm necessariamente uma razão específica pela qual deveriam estar em uma história.
Por exemplo, não há razão para você incluir um velho mentor grisalho com uma longa barba branca em sua história de ação. No entanto, é bom respeitar a convenção que diz que seu protagonista precisa de uma figura mentora. Entendeu a diferença?
Um mentor serve a um propósito, mas pode ser representado por qualquer tipo de pessoa - ou mesmo grupo de pessoas bem diferentes entre si.
Às vezes, tropos acabam sendo situações ou coisas completamente arbitrárias que foram feitas muitas vezes ou que o público de um determinado gênero gosta de ver. Uma "Final Girl" tem seus propósitos de sobrevivência e superação bem claros. Já o tropo da "Mulher Raivosa Sem Objetivos" acaba sendo nocivo e narrativamente inútil.
Reflita sobre algumas questões:
Qual a relação dessa personagem com a jornada da personagem protagonista? Ela ajuda ou atrapalha? Ou não faz absolutamente nada?
Depois de ser apresentada, essa personagem-tropo vai alterar significativamente o enredo?
Esse tropo poderia ser facilmente substituído por outra coisa mais simples, como uma informação ou ação do "destino"?
Esse tropo possui seu arco narrativo na história, mesmo que pequeno?
Certifique-se de entender por que algo está sendo incluído em sua história, para evitar sobras e inconsistências.
3. Seguir todas as regras de todos os livros
Esse é um erro que trazemos atenção desde sempre aqui no Writer's Room 51. Geralmente, seguir tudo à risca leva à paralisia da narrativa, ou então a uma confusão terrível.
Nesse cenário, um roteiristas foi lá e pesquisou listas de tropos, convenções de gênero ou arquétipos de personagens. Em seguida, compilou todas essas listas em uma lista gigante com coisas muito específicas que precisam ser incluídas em sua história. De repente, a narrativa parece um monte de cenas sem pé nem cabeça.
Isso é meio parecido com o segundo erro sobre o qual acabamos de falar, mas é um pouco mais extremo - roteiristas que caem nessa armadilha veem convenções e tropos como ferramentas muito mais restritivas do que precisam ser.
São muitas “coisas” para considerar que não precisam necessariamente ser consideradas. Então, por exemplo, se você se concentrar mais na jornada emocional da protagonista, ou numa estrutura estilo Jornada do Herói - até mesmo nas convenções de gênero e suas "cenas obrigatórias" -, você provavelmente terá mais facilidade em visualizar e construir sua narrativa.
Se isso soa como algo que você está fazendo, saiba que não é preciso seguir todas as regras de todos os livros. Escolha um método ou estrutura que funcione para você e faça a partir disso a sua sinopse ou argumento. Caso contrário, dez anos depois, você ainda estará ponderando sobre esses métodos e tropos diferentes... sem ter construído nada.
Escreva a história que você quer assistir
As convenções de gênero existem para tornar as coisas mais fáceis para roteiristas, já que fornecem uma estrutura básica para escrever sua história - quase como um beat sheet mais específico.
Essas convenções e cenas obrigatórias sugerem começos, meios e finais “naturais” – bem como pontos de conflito, cenários e personagens que compõem uma história de gênero.
Se você realmente quer dominar seu gênero favorito, primeiro precisa saber o que se espera de um filme ou série assim, para depois entregar convenções de uma maneira nova e interessante.
Mas isso tudo existe sempre em função da arte e da história que você quer contar. Seu protagonista não vai ter uma figura mentora? Seu romance quer subverter o "felizes para sempre"? Vá em frente! Toda a narrativa é válida se for bem pesquisada e construída.