Para fazer um bom pitching do seu trabalho autoral, quais medidas você deve tomar? Como fazer um bom pitching de série sem contar toda a narrativa?
Apresentar sua ideia de longa-metragem ou série para possíveis investidores é um grande passo na carreira de todo roteirista ou autor (quem escreve e também dirige o projeto). Porém, muitas vezes, o nervosismo ou despreparo deixa tudo mais tenso e complicado.
Nesse cenário, é fácil se atentar aos detalhes menos importantes ou utilizar o tempo do pitching (ou pitch) de modo inadequado, o que pode prejudicar a carreira do projeto.
Por exemplo, muitos roteiristas acabam deixando de lado a importância dos aspectos de produção, abordando exclusivamente a narrativa. Ou então, o autor se lança num mar de referências e perde a conexão com o público, que já não acompanha mais aquele emaranhado de vídeos e imagens.
Não quer passar por essa situação na próxima vez que for fazer um pitching de seus projetos? Quer conhecer algumas dicas para se dar bem apresentando seus longas e séries?
Preparamos algumas dicas que vão ajudar a melhorar seu pitching e apresentar sua ideia da melhor forma.
A abordagem básica presente nos melhores pitchings
Quando você apresenta um projeto de série ou longa, é bom ter bem claro para si algumas questões sobre ele. No podcast de roteiro Scriptnotes, assinado pelos roteiristas John August ("Peixe Grande") e Craig Mazin ("Se Beber, Não Case! Parte II"), são discutidos vários pontos essenciais sobre pitchings.
O primeiro é a abordagem que o autor deve ter em relação a como vai vender sua ideia.
No episódio 55, John August afirma que sempre descreve um argumento como se estivesse contando ao seu melhor amigo sobre quais elementos ele teria que prestar atenção ao assistir ao filme. Nisso, seria como se você quisesse convencê-lo a assistir o filme, apresentando um breve resumo de todos os elementos narrativos.
Ele dá o exemplo de como aborda seus projetos no pitching:
'Este é o mundo, esses são os personagens; essas são as grandes coisas que acontecem ao longo do caminho.' Não precisa ser exatamente em sequência. A lógica nem precisa necessariamente ser a mesma que você usará em seu roteiro final. É apenas trazer a eles a sensação de 'é assim que o filme é'. Se eles estivessem assistindo ao trailer, essa é a experiência que eles receberiam.
Ou seja, é muito mais envolvente partir de elementos que convidem as pessoas para o universo narrativo do que contar a história inteira, por exemplo.
É interessante, também, iniciar com uma justificativa pessoal ou artística para a existência do projeto. Em poucos minutos, o roteirista ou autor pode trazer um contexto pessoal que cative a curiosidade dos investidores ou plateia.
Sobre isso, Craig Mazin (criador da série Chernobyl) exemplifica:
Gosto de apresentar as coisas dizendo: "É por isso que sempre quis escrever este filme." Ou: "É nisso que estou interessado." Quero colocar a história que estou contando o contexto de uma paixão pessoal, porque eu acho que isso imediatamente dissipa o [...] cinismo, porque quando alguém faz um pitch, ele está lá para vender algo para você [...]. Todo mundo sabe disso e fica um pouco cínico.
August complementa: "Você precisa vendê-los a ideia de que 'este é o filme que eu quero fazer', 'este é o programa de TV que eu quero criar', 'esta é a visão que tenho para isso. Portanto, não se trata de 'o programa pelo qual quero que você me dê dinheiro'".
Ou seja: mesmo que o pitching seja uma parte do atual modelo de negócios do setor audiovisual, nada impede que seja um momento onde você teste seu talento com storytelling.
Além de tudo, essa abordagem já faz o papel de demonstrar o quão importante é a existência desse projeto - e que você o faça. Independente se você for um roteirista iniciante ou um autor sem créditos de direção, expôr uma boa justificativa pessoal vai aumentar muito as suas chances de fazer um bom pitching.
Agora que você entende o básico de um pitching de sucesso, confira mais dicas que vão enriquecer sua apresentação.
Dicas para um bom pitching audiovisual
1. Seja sintético, mas mencione os aspectos de produção
É imprescindível que o roteirista ou autor conheça todos os detalhes de seu projeto, mas também é importante que se tenha noção de síntese.
Mais do que respeitar o tempo de apresentação (muito comum em concursos de pitching ou laboratórios), é preciso saber trabalhar a atenção da plateia. É crucial, então, que o autor do projeto trabalhe em diferentes versões, completas e reduzidas, do pitching. Elas podem conter 10, 5 e 2 minutos, por exemplo.
Isso ajuda a não se alongar muito na sinopse e fatos do filme, mas sim na força dramática por trás deles. Esse ponto é ainda mais importante quando se trata de uma série de TV ou filme multiplot, onde temos vários protagonistas e tramas paralelas.
Sobre isso, a roteirista Bia Crespo (com quem fizemos uma super entrevista que está para sair em breve) tem a dica perfeita. Ela aborda, em seus pitchings, tudo o que "gostaria de saber num projeto", mas tendo em mente que isso envolve especialmente focar na trama principal e no contexto de produção.
É importante, como ela traz, focar em todos os aspectos do projeto, mas de modo sintético. Isso também vai evitar que você passe do tempo ou perca a atenção da plateia.
Você pode refinar seu pitching a ponto de conseguir transmitir um arco inteiro de personagem em apenas alguns minutos - o que dá tempo para focar em aspectos como relevância e público, outros pontos que Bia traz como fundamentais.
Traga alguma noção de público-alvo, orçamento ou mesmo colocação na grade do canal. Bia afirma que isso traz mais embasamento para o projeto, melhorando as chances de venda.
Portanto, a dica é: aposte na linha dramática ou personagem principal, partindo daí para explicar os fatos dramáticos mais relevantes para a trama e seus aspectos de produção.
2. O segredo é praticar e reescrever
Um medo que acomete roteiristas e autores ao se apresentar é o de enrijecer o texto após várias apresentações. Mas praticar o pitching várias vezes é tão importante quanto reescrevê-lo, já que o processo de apresentação é muito semelhante ao da escrita e criação em geral.
John August comenta que sente-se "nervoso de não recapturar o mesmo entusiasmo" ao longo da sua maratona de pitchings. Isso é comum de acontecer quando o projeto passa por várias rodadas de negócios ou apresentações em canais de TV, por exemplo.
Para ajudar nessa questão, August conta que desenvolveu um pequeno "documento de pitching" para si, que é mais ou menos um pequeno resumo de no máximo duas páginas com os pontos mais importantes da apresentação.
"Voltei e reescrevi o documento várias vezes", comenta no podcast, "porque descobri que o processo de reescrevê-lo meio que reenergizava no meu cérebro de uma maneira que eu poderia realizar o pitching novamente e ele ter uma nova vida e novos detalhes. Porque, se você não está interessado no pitch, eles não vão se interessar pelo pitch. Então, você precisa se surpreender com as novidades que está adicionando".
Bia Crespo também traz uma dica interessante para quem quer não só lembrar dos detalhes mas também aumentar suas chances de negócios: apostar na one page, uma página entregue aos investidores que contém as informações básicas do projeto e do autor.
Ela desenvolveu um formato que possui uma pequena sinopse do projeto, arte conceitual, informações básicas de gênero e episódios, minibiografia do autor e outros detalhes importantes.
Como comenta, essa é uma ótima opção para quem não quer ou não pode imprimir uma enorme bíblia de série a cada pitching ou reunião de negócios que faz.
Além de apostar nesses apoios, lembre-se de ser o primeiro espectador da sua apresentação. Quais os elementos dramáticos que mais lhe atraem a atenção? Onde você precisa suprimir informações ou ilustrar com referências?
3. Mantenha em mente a justificativa principal
Se você está apresentando seu projeto, é porque acredita no potencial artístico, social ou de entretenimento dele. Isso deve transparecer durante todo o pitching, tanto na sua fala como na apresentação de apoio.
Nesse cenário, Mazin atenta para a questão principal: "acima de tudo [...], certifique-se de que eles saibam sua resposta a esta pergunta: Por que esse filme deveria existir? Por que essa série deveria existir? Não basta apresentar algo com competência e ser interessante de certa forma. Precisa querer ser. Então, descubra como transmitir essa questão".
Uma justificativa pessoal pode ajudar muito no pitching, assim como a relevância social, econômica ou política do projeto. Não tenha medo de "inserir" conceitualmente seu filme no mercado, pois isso mostra que você fez seu dever de casa e está por dentro das necessidades da indústria.
Como melhorar seu pitching de séries?
Dicas para um bom pitching servem para vários formatos, mas existem algumas particularidades em relação a apresentação de projetos seriados.
A dica do poder de síntese é a primeira que devemos relembrar aqui. Imagine contar a história de todas as oito temporadas e dos quarenta personagens que você criou? Não funciona.
Os roteiristas do Scriptnotes, no episódio 328, apontam a diferença que percebem entre pitchings de longas e séries de modo muito sintético: "na televisão", comenta Craig Mazin, "você está vendendo uma experiência. E no longa-metragem, você está vendendo um produto".
Essa diferença de abordagem é muito interessante de se ter em mente, já que é resultado do recurso repetitivo e conceitualmente infinito que a narrativa seriada possui. Ou seja, sua série precisa funcionar narrativamente por muitas temporadas - e isso precisa ficar muito claro já no pitching.
Além desses, quais são os outros aspectos importantes de saber?
1. Personagens: falar somente o necessário
Todo mundo já passou pela experiência de assistir a uma apresentação nada inspiradora. Mesmo que o assunto seja interessante, a forma como ele é apresentado pode fazer a diferença entre se conectar ou não.
Num pitching de série para TV ou streaming, é extremamente necessário focar extensivamente na trama principal, de acordo com Bia Crespo. A roteirista dá a dica de deixar os outros modelos actanciais bem claros, mas não contar literalmente toda a narrativa.
"Pitching é sempre trama A", diz. Para ela, a história reduzida do piloto, a explicação do rumo narrativo principal e "uma frase do que vai acontecer com cada um dos personagens coadjuvantes" são os aspectos ideais para se abordar num pitching de série.
É importante delinear a presença dos outros personagens de apoio, mas sempre focando no motivo deles existirem ao invés de sua trajetória em si. Por exemplo, quem é o adversário do protagonista e por quê? Quem será uma peça-chave para a história acontecer e como?
Isso vai impedir que você se demore muito no plot, falando "e daí… e daí..." sem parar. O próprio Craig Mazin, quando realizou os pitchings da minissérie da HBO Chernobyl, utilizou essa técnica.
Em termos de personagens, ele conta que se limitou a mencionar "os três que considerava os mais importantes. E então um quarto, que era importante apenas para entendermos o que estava acontecendo com os outros três".
Portanto, no quesito explicar as tramas e trajetórias de personagens, menos é mais.
2. Mostre que tem fôlego narrativo para as temporadas
Essa dica é bem direta ao ponto: mostre ao canal ou aos investidores que sua série tem fôlego narrativo para durar várias temporadas. Contudo, como o pitching normalmente é uma apresentação rápida, o melhor é passar rapidamente por todas as questões temáticas.
Sobre isso, John August comenta que o pitching para TV "é esse tipo estranho de forma intermediária em que você está entrando e eles conhecem a área temática geral em que você está apresentando, mas é preciso orientá-los durante toda a ideia. Portanto, um pitching pode levar 15 minutos ou 30 minutos. Mas tem que ser um pacote realmente completo, não apenas o que será o piloto".
Ou seja: não se concentre apenas no piloto e nos personagens. Mostre ao público que sua série pode e precisa ser produzida por muito tempo.
3. Conheça o método para pitching de séries de John August
No mesmo episódio de Scriptnotes (328), o roteirista John August descreve como ele prepara seus pitchings para TV de modo bem básico.
Primeiro, ele apresenta rapidamente os temas gerais da série e os conceitos desses temas. Em seguida, responde à perguntas muito importantes: por que fazer esse programa de TV em 2019 e não lá em 2005? Qual é o aspecto do mundo contemporâneo que torna esse programa especialmente atraente e necessário?
Isso vai trazer um embasamento fundamental para seu trabalho como roteirista e autor, já que é muito positivo quando os temas que tratamos estão em diálogo com o contexto atual de alguma forma.
August comenta que é só depois desse contexto que ele entra na narrativa da série em si. Por que assim,
[...] você está dando a eles a sensação do tipo de situação que acontecerá na série. Você está começando a apresentar os personagens. Mas, realmente [...], você está lançando uma visão - uma visão pessoal e depois uma espécie de visão global. E só então você começa a tratar dos específicos, dos personagens, como estamos vendo os personagens fazerem o que eles fazem. Conta o que acontece no piloto e outras coisas intrigantes que estão acontecendo [na narrativa]. 'Esses são tópicos em aberto que nos levarão a futuros episódios e, idealmente, no mundo da fantasia na segunda temporada'.
Esse método é interessante para pensar a lógica que melhor se aplica ao seu projeto seriado.
Os principais problemas dos pitchings audiovisuais
De modo prático, formulamos uma lista de detalhes que acabam atrapalhando o rendimento dos pitchings de séries e filmes por aí. São eles:
Abordagem narrativa em excesso, com exagero de detalhes e personagens;
Ruído de muitas referências visuais e em vídeo (esse é um artifício que mais atrapalha do que ajuda, pois faz com que as pessoas se desconectem da fala e, muitas vezes, fiquem confusas com o conceito);
Falta de justificativas pessoais e gerais para a existência do projeto;
Falta de noções de venda (orçamento, público, relevância no mercado);
Passar do tempo do pitching, quando existe.
Percebeu algo que você anda fazendo? Pode ser uma boa ideia treinar seu pitching sozinho, através de vídeo ou com alguém de confiança que lhe forneça feedback.
O pitching, além de concretizar uma venda, deve ser sempre uma experiência que melhora nosso trabalho como roteirista, como fala Bia Crespo. Em determinadas situações, como em laboratórios de projetos, "O foco deveria ser ajudar aquele roteirista a ser o melhor possível".
Portanto, utilize essa oportunidade para melhorar tanto a sua visão de mercado quanto de si mesmo. Assim como muitas coisas na vida, um pitching de sucesso vai vir da prática e do interesse em ser um bom profissional.