Sua protagonista não tem uma personalidade clara? Seu antagonista está fraco? Leia nossa matéria com ideias práticas para ajudar com isso
Arquétipos, beats de estrutura, backstories… Muitas vezes, a construção de uma personagem interessante pode ser difícil. Como entender o que é melhor para a história? Como destacar o seu herói ou antagonista entre tantos outros? Como "preencher" o segundo ato de maneira mais coesa?
É importante atender às especificidades do gênero e formato narrativo, mas também transmitir sua voz autoral ou diferencial do projeto. Você pode fazer isso com uma protagonista, um oponente ou personagem secundário bem construído!
Para facilitar o processo de criação ou reescrita de uma personagem mais única, separamos aqui 6 dicas e exercícios. Muitas das reflexões são baseadas no conteúdo do nosso ebook "A personagem além das fórmulas", onde discutimos as diferentes esferas das personagens, articulação de tema, falha & força, arquétipos, estruturas, concepção de diálogos e mais! Você pode adquirir o seu aqui.
1. Use o "Real, mas incomum"
Essa é uma das dicas mais valiosas de Linda Aronson em seu livro "The 21st Century Screenplay", que serve para desenvolver o plot também. Consiste em unir o pensamento vertical (lógico, estrutural) ao lateral (conteúdo emocional, abstrato), simplificado na frase "real, mas incomum".
Ou seja: o pensamento vertical é um mais lógico e pragmático, para decidir o que precisa ser feito em seguida. Arquétipos, estrutura, pontos de virada, etc. Esses são elementos racionais da escrita de roteiro e criação de personagens.
Já o pensamento lateral é mais subjetivo e abstrato, que permite que você explore sua imaginação para criar algo incomum ou que surpreenda o público. Na hora de criar personagens mais interessantes, essa parte é ouro!
O pensamento lateral envolve pensar fora da caixa, buscando o elemento mais incomum em relação a essa personagem. Portanto, usando a frase "real, mas incomum", pense em uma personagem com traços reais e plausíveis, mas também que sejam incomuns, quase irônicos. Vá contra as expectativas – assim você terá um pouco de ambos.
Depois que encontrar o máximo de elementos incomuns que puder, use o pensamento vertical para identificar o que é plausível, sempre mantendo esse equilíbrio. Isso é necessário, pois a protagonista pode se tornar um pouco maluca demais, desviando muito do tom, por exemplo.
Além disso, essa é uma ótima frase para verificar se não sua ideia está muito clichê.
2. Desenvolva bem as personagens secundárias
Personagens secundárias nem sempre recebem a devida atenção, mas podem ser as melhores partes das narrativas. Ao criar o mundo da sua história, pode ser útil pensar em arquétipos ou "papéis" que precisam ser preenchidos dentro da estrutura ou gênero. Leia nossa matéria sobre isso.
Porém, nem todas as personagens secundárias vão se encaixar nos arquétipos ou tropos de gênero, e tudo bem! Sendo assim, o segundo passo é desenvolver as personagens secundárias até virarem seres tridimensionais. Ou seja, com seus próprios objetivos, trejeitos e vozes. Pergunte-se:
O que essa personagem quer? Por quê?
O que está em jogo se não conseguir o que quer?
Quais são os obstáculos externos e internos que enfrenta?
Como se veste? Como fala? Por quê?
Você não precisa fazer isso para todas as personagens secundárias da sua história, apenas para as mais importantes ou emblemáticas.
Uma das principais razões para isso é ajudar na hora dos diálogos. Cada personagem precisa falar com algum propósito e subtexto (ou ausência dele, por algum motivo narrativo). Esse propósito será baseado em seus objetivos, motivações e nos conflitos que enfrentam.
Agora, assim como qualquer coisa que você desenvolve para sua história, é improvável que todos os detalhes acabem aparecendo na página. Desenvolva apenas o que vai ser explícito ou externalizado pela personagem – seja por fala, comportamento, escolhas importantes, etc.
3. Subverta expectativas de arquétipos e tropos
Essa dica está lado a lado com a anterior: o que você pode trazer de novo para o tropo da "Final Girl"? Como transformar o típico "nerd" em uma personagem única, com interesses e comportamentos específicos a ela?
Um bom exemplo é a série Euphoria (2019, HBO), que traz pequenos excertos importantes dos backstories de populares arquétipos estadunidenses. Isso expande a nossa percepção da personagem e suas escolhas. Esse tipo de recurso nem precisa aparecer na narrativa, mas é importante para o desenvolvimento de personagens mais originais e realistas.
4. Defina o que a personagem representa no arco temático
Idealmente, em uma narrativa mais convencional, cada uma das suas personagens secundárias precisa cumprir um propósito na história geral. Isso pode ter relação com a estrutura, como, por exemplo:
Ajudar a revelar detalhes importantes sobre protagonista ou antagonista;
Avançar o enredo de maneiras que a protagonista não consegue;
Criar conflitos que atrapalham a protagonista em sua jornada, etc.
Quando falamos de uma narrativa coesa, geralmente precisamos ter clareza sobre o tema e premissa da nossa história. Assim, cada personagem irá representar um ponto de vista ou espectro desse tema. Sendo assim, as personagens interessantes podem:
Representar o arco de aprendizado de um tema;
Revelar ou destacar elementos da caracterização da protagonista, muitas vezes por meio de suas ações, palavras ou histórico pessoal, aprofundando a discussão temática;
Motivar, ajudar ou atrasar a protagonista/antagonista;
Refletir o status quo ou possibilidades de transformação temática, etc.
Portanto, analise bem o universo temático e levante possibilidades fora da caixa para representar esses elementos de discussão. Personifique-os em pessoas ou seres que talvez não esperaríamos que carregassem uma visão de mundo ou comportamento específico!
5. Atribua uma característica difícil de ignorar
Além de servirem como características para ajudar a lembrar quem é quem na sua narrativa, as excentricidades podem ser ótimos aliados na hora de construir personagens mais originais. Afinal, cada família, escola, cidade e até universo têm seus diferentões.
Apenas se lembre de fazer sentido com o tema e tom escolhido! Alguns exemplos:
Dê à sua personagem um sotaque ou uma forma específica de falar;
Crie a própria linguagem corporal ou maneirismos. A aparência física de uma personagem vai além de como se parece. Como ela interage com o mundo pode dizer muito sobre o que pensa e sente;
Crie uma conexão forte e identitária com um grupo ou família;
Dê à sua personagem um estado emocional dominante. A maioria das pessoas tende a entrar em um estado emocional padrão quando está sob pressão, por exemplo;
Dê às suas personagens um papel em esconder um segredo, etc.
6. Encontre a mentira da personagem
A mentira, ou misbelief, é uma noção, uma visão de mundo ou crença que precisa ser desafiada pelos obstáculos da trama – quando se trata de comédia aristotélica ou jornada de correção. Por isso, o arco de uma narrativa é também o arco da verdade.
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Para encontrar mentiras pertinentes e únicas à protagonista, antagonista ou outra personagem relevante, não deixe de se questionar coisas como:
Que equívoco sua protagonista tem sobre ela ou o mundo?
O que lhe falta como resultado?
Como a mentira interior se reflete no mundo exterior da personagem?
Quais são os sintomas da mentira da sua personagem?
Conclusão
Criar personagens apaixonantes, temíveis ou simplesmente interessantes pode ser difícil, mas é possível aperfeiçoar esse processo! Quanto mais você lê, assiste, observa e estuda, melhor serão as personificações e pulsões que você criar.
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