A diretora, roteirista e crítica de cinema Gautier Lee, vencedora do Prêmio Cabíria 2019, explica como organiza sua carreira e encontra oportunidades para ampliar seus horizontes profissionais
Basta passear por grupos e páginas de roteiro para perceber que roteiristas constantemente buscam oportunidades. Oportunidades de apresentar seu trabalho, de trabalhar em salas de roteiro, de participar de concursos e laboratórios… Enfim, oportunidades de ampliar seus recursos no meio audiovisual.
Basta estar atento? Onde encontrar oportunidades de trabalho e enriquecimento intelectual na área do roteiro? Como ultrapassar os desafios de buscar alternativas independentes para construir os seus filmes e levar seus roteiros adiante?
Um exemplo de profissional que sabe muito bem ir atrás de recursos para construir seu portfólio é a diretora, roteirista e crítica de cinema Gautier Lee. Vencedora do Prêmio Cabíria em 2019 na categoria Melhor Piloto de Série, Gautier recentemente dirigiu o seu segundo curta-metragem chamado "Um-Oito-Oito", além de participar de eventos virtuais que expandiram seus conhecimentos e lhe conferiram um contato exclusivo com grandes nomes da indústria hollywoodiana.
Conheça mais sobre ela e os caminhos que possibilitaram que Gautier expandisse seus conhecimentos e inserção no mercado audiovisual.
Quem é Gautier Lee?
Gautier Lee é roteirista, diretora, autora e crítica de cinema. É membro do Black Femme Supremacy e da Organization of Black Screenwriters e membro-fundador do Coletivo Macumba Lab, que reúne profissionais negros e negras do audiovisual do Rio Grande do Sul.
Em 2019, ela foi semifinalista do FRAPA e vencedora do Prêmio Cabíria com o piloto da série "PMS: Post Motherhood Sisters", além de participar do Laboratório de Narrativas Negras da FLUP.
Em 2020, dirigiu seu segundo curta "Um-Oito-Oito", que conta com um projeto de arrecadação de fundos para finalização, escreveu o longa "LOVE 101" e foi selecionada para o curso Crafting Your Short Film do Sundance Institute.
Atualmente, Gautier está desenvolvendo um curta documental, um longa de ficção e trabalha na sala de roteiro de uma série infantil de animação.
Formando a equipe de um curta independente: case "Um-Oito-Oito"
Muitos roteiristas começam suas carreiras com curtas-metragens. Parte importante do desenvolvimento profissional, a experiência de escrita muitas vezes se mistura com a de direção ou mesmo produção do filme.
Como Gautier encontrou a equipe certa para seu filme? “O começo da equipe surgiu no Festival de Cinema de Três Passos”, conta a autora. Gautier estava no evento representando o filme “Quero ir Para Los Angeles”, de Juh Balhego.
Por uma questão orçamentária, Gautier conta que os convidados do Festival ficaram nas casas dos moradores da cidade. Ela viu nisso uma oportunidade de ampliar sua rede de contatos, dando os primeiros passos em direção à formação da equipe do seu curta-metragem.
Por exemplo, seu contato com Évelyn Santos Hoffmann, a atriz principal de "Um-Oito-Oito", foi no festival, assim como outros profissionais que realizaram funções importantes no projeto.
Ao conhecer sua futura equipe, Gautier também se preocupou com os recursos financeiros. O roteirista independente que atua também como produtor das suas ideias precisa viabilizá-las do melhor jeito possível. Mas onde encontrar recursos? E contatos?
Quando o projeto é independente, muitas vezes são os recursos que moldam o roteiro. Precisamos utilizá-los de forma inteligente: qual a melhor forma de contar uma história e apresentar a sua perícia como autor com os recursos que você tem? "Adaptação" é o termo chave.
De acordo com a experiência de Gautier, coisas que às vezes podam nossas ideias também podem nos libertar e possibilitar uma nova maneira de criação.
Ela conta que “existia a ideia, mas eu não sabia como executar", algo que impediu até mesmo a escrita do roteiro. “Depois do Festival de Três Passos que eu vi: ok, tenho uma produtora, tenho uma diretora de arte, tenho duas atrizes e tenho um assistente de direção. Aí eu sentei e escrevi o roteiro. Ele já existia na mente, mas ainda não existia escrito até eu ter essa equipe inicial”.
“Circular em eventos de audiovisual é essencial, pensando em carreira e em mercado. É onde as pessoas estão." - Gautier Lee
Após todo o processo de articular seus contatos recém feitos e filmar o curta, Gautier lembra que “ao longo do tempo, nós perdemos algumas pessoas muito perto da data de gravação, mas no final deu tudo certo. Eu estou muito feliz com o resultado que temos hoje”, explica ela.
O curta "Um-Oito-Oito" já está com trailer e uma campanha de crowdfunding montada para garantir a finalização e distribuição do filme, além da ida de Gautier para o curso Crafting Your Short Film do Sundance Institute.
Nós, da WR51, estamos oferecendo consultorias de curta e longa como parte das contrapartidas, que contam também com consultorias da própria Gautier, possibilidades de créditos, kits de objetos de arte e muito mais.
Você pode apoiar clicando nesse link.
Realizando networking a partir de eventos e premiações
A palavra networking pode soar aterrorizante ou cheia de mistério para muitos roteiristas. Mas não deixa de ser essencial construir sua base de contatos. Que contatos são esses, afinal? Apenas grandes produtores, showrunners e afins? Gautier conta suas impressões sobre o tema.
“Eu acho muito importante, para quem trabalha com roteiro, conhecer os nomes não apenas dos grandes roteiristas, mas saber o nome de todo mundo. Às vezes você vai conhecer a pessoa que faz uma coisa que você gosta, só que você só sabe o nome do showrunner, do produtor ou do criador, você não sabe o nome do roteirista do episódio 3. Às vezes é o roteirista do episódio 3 que vai estar lá no evento e que vai trocar uma ideia contigo”.
Ela traz o exemplo de Carol Rodrigues, roteirista da série “3%” (2016-, Netflix) que foi parte do Júri da edição do Cabíria que Gautier participou. “Eu adoro 3%!", diz. "Uma pessoa que escreve uma coisa que eu adoro leu uma coisa que eu escrevi e adorou. Eu nunca achei que isso poderia acontecer. Foi aí que eu comecei a ficar mais atenta a isso”.
Como roteiristas, nunca sabemos de onde pode vir a nossa próxima oportunidade de trabalho. Por isso, muita gente foca exclusivamente nas relações com produtores e canais. Isso é importante, mas não é tudo
Sua próxima oportunidade pode vir da roteirista integrante de uma sala, ou mesmo assistente de roteiro de uma série, que vai se tornar roteirista na próxima temporada. Ou então aquele diretor iniciante que vai te ajudar a construir sua ideia, quem sabe.
Conhecer os nomes e estar atento às pessoas das mais diversas áreas pode ajudar muito na hora de procurar trabalho, montar equipes e até criar amizades, afinal de contas.
Gautier relembra: “era o meu primeiro piloto de série, eu nunca tinha ido tão longe em um concurso de roteiro. No meu primeiro dia no Cabíria eu nem sei o que estava acontecendo. Eu lembro que estava muito nervosa… Eu ganhei o prêmio e só lembro de sorrir e abraçar todo mundo”.
A adrenalina passou e Gautier falou sobre os benefícios de ter recebido o prêmio no primeiro dia do Festival. “Muita gente veio até mim, eu não precisei ir muito até as pessoas. Virou uma validação do meu trabalho. Ser vencedora do Prêmio Cabíria já se tornou o meu cartão de visitas”, afirma.
Sobre os contatos que adquiriu, ela conta que já na semana seguinte após o Cabíria recebeu propostas de reuniões. Portanto, é desse modo que eventos como premiações, laboratórios de roteiro e concursos podem trazer contatos de futuros parceiros e de negócios.
A importância de “circular” em eventos do meio é um assunto recorrente aqui no WR51, mas acreditamos que vale a pena ressaltar um outro lado dessa questão: fique atento aos profissionais que podem agregar aos seus projetos em pontos que talvez você não esteja considerando.
Roteiristas de destaque precisam apresentar um estilo próprio, capaz de atrair a atenção de produtores, parceiros e afins. Para isso, é preciso construir portfólio. Fique atento aos profissionais que dialogam com a sua proposta narrativa e estética, bem como são parceiros que também têm muito a ganhar com futuras colaborações. Adapte seus projetos a curto prazo aos parceiros mais acessíveis, encontre meios de seguir produzindo!
Encontrando oportunidades fora do país
Profissional antenada, Gautier afirma: “eu olho não só para o mercado nacional, mas também para o mercado internacional”. O que significa “olhar para o mercado internacional”? Onde procurar oportunidades lá fora?
Essa boa prática rendeu a ela a oportunidade de participar de eventos online como o ScreenCraft Virtual Summit, que reuniu profissionais como a roteirista Meg LeFauve (Divertidamente), Wendy Calhoun (Empire), David Rabinowitz (Infiltrado na Klan), o autor e produtor JJ Abrams (Star Wars) e tantos outros. Como Gautier chegou nisso?
Ela explica que, há algum tempo, vem planejando passar uns meses na Califórnia. “Mas eu pensei: eu não quero passar turistando, tirando foto no letreiro de Hollywood e indo para a Disney. Óbvio que eu ia fazer tudo isso, mas não era o foco”.
Com esse objetivo em mente, mas em meio à pandemia e outros projetos, Gautier então se perguntou: “como que eu aproveito esse tempo?” Ela explica: “da mesma forma que aqui a gente tem diversas associações, coletivos, diversas entidades que lidam com cinema, lá eles também tem. Foi meio que um túnel que eu fui entrando”.
Gautier pesquisou o máximo que podia sobre as entidades e associações de cineastas, buscando sempre as informações no final dos sites atrás dos nomes dos apoiadores. "Eu ia clicando em cada um dos apoiadores e ia conhecendo eles, olhando o site. Sempre me inscrevo nas newsletters”, afirma.
“Um belo dia, um dos e-mails me chamou a atenção". Era sobre um evento que iria acontecer nos EUA, mas seria online devido à pandemia. Pensei: ‘de forma online eu tenho interesse’. Eu li o e-mail, corri, peguei o cartão de crédito da minha namorada e me inscrevi”, diz Gautier.
O evento era justamente o 2020 ScreenCraft Virtual Screenwriting Summit, uma masterclass sobre a trajetória de nove roteiristas e cineastas de renome que compartilharam suas ideias e conselhos sobre carreira, inspiração e outros elementos essenciais para roteiristas e autores.
“Durante esse ciclo de palestras eu percebi que eu tinha que saber o nome de todos os roteiristas de todas as coisas que eu assisto, porque a primeira palestra do dia foi com a Meg LeFauve, que é roteirista de 'Divertidamente', que eu adoro. Eu não sabia que ela tinha escrito, eu só sabia que era um filme da Pixar”, conta Gautier.
O evento foi um dia inteiro de palestras de 45 a 50 minutos, feitas de maneira virtual em uma plataforma própria, onde os participantes poderiam enviar perguntas para as profissionais. Gautier afirma que suas anotações de cada palestra resultaram em umas 40 páginas cheias de conteúdo precioso para a carreira como roteirista.
Gautier, então, transformou o conteúdo de cada palestra em um texto diferente na sua página do Medium. Vale muito a pena acessar, pois são informações exclusivas extraídas diretamente dessas palestras, que contaram com a presença de grandes titãs de Hollywood.
Encontrando a sua turma e construindo suas oportunidades
Existe uma reflexão que circula bastante por aí: quer fazer cinema? Encontre a sua turma! Parece simples, mas nem sempre é. Algumas pessoas formam grupos ainda na faculdade, outras passam por dificuldades maiores para construir relações duradouras de trabalho.
Os parceiros ideais para colaborar nos seus projetos nem sempre estão tão perto assim. É preciso ir atrás! Rodadas de negócios e eventos de pitching são ótimos e importantes, mas não queime as etapas. Procure parceiros de diferentes áreas que queiram crescer com você, tenham objetivos semelhantes, que se encontram em um estágio parecido da carreira.
Gautier planeja gravar outros curtas e hoje se dedica a um novo roteiro de longa. Como vocês devem ter identificado, ela já traz consigo parceiros, apoiadores e profissionais que acompanham o seu crescimento e conhecem a sua voz autoral.
Você tem a sua turma? Já encontrou os seus parceiros? No Brasil, o setor do audiovisual passa por um momento difícil, onde políticas públicas praticamente não existem mais. Esse momento só reforça o valor da união, mas também da busca ativa por oportunidades. Procurar entidades, se inscrever em newsletters e ativamente ir atrás de espaços de diálogo e formação são ações cada vez mais importantes.
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