Barbara Sturm, diretora de conteúdo da Elo Company, explica o processo de aquisição de um projeto e o que ele precisa ter para chamar a atenção dos players
Muitos roteiristas têm dúvidas sobre o processo de distribuição de um filme. Como conseguir um contrato com uma distribuidora? Que materiais eu preciso? É possível que uma distribuidora se interesse pelo meu projeto se eu não tenho muita experiência?
É imprescindível que um roteirista ou autor já reflita sobre a carreira do seu filme mesmo antes do projeto estar pronto. Para isso, é necessário entender o universo da distribuição e como isso influencia já na escrita do roteiro.
Quem nos guia por esse importante tópico é Barbara Sturm, diretora de conteúdo na distribuidora Elo Company. Barbara divide conosco sua experiência e explica o que players como a Elo Company precisam para considerar a aquisição de um projeto.
Quer saber por qual caminho percorrer para materializar o seu projeto? Veja a seguir!
Quem é Barbara Sturm?
Formada em cinema, Barbara Sturm participou dos programas internacionais de especialização em distribuição CICAE Training, do Festival de Veneza e Berlinale Talent Campus, do Festival Internacional de Cinema de Berlim.
Atuando no mercado de comercialização de filmes desde 2007, Sturm foi diretora da distribuidora Pandora Filmes, sendo responsável pela aquisição e estratégia de lançamento no Brasil de 34 filmes brasileiros e internacionais – entre eles “Que Horas Ela Volta?”, de Anna Muylaert.
No início de 2017, Barbara assumiu como diretora de conteúdo na distribuidora e agente de vendas internacionais Elo Company, responsável pelas áreas de aquisições de conteúdo, análise de projetos para investimento em produção e coordenação dos lançamentos em cinema. A empresa também é responsável pelo Selo “Elas”, projeto que investe em longas-metragens dirigidos por mulheres.
Montando um projeto: book, valor agregado e outros elementos de venda
O processo de venda dos filmes no mercado audiovisual atual se dá de várias formas - mas quase nenhum envolve ter só o roteiro e muito brilho no olho. Quando o assunto envolve fechar contrato com uma distribuidora, o que é necessário apresentar?
No caso da Elo, Sturm traz alguns pontos importantes que precisam estar presentes no projeto: “o mercado e os players pedem que o projeto esteja envelopado. Isso quer dizer que ele já precisa ser um projeto e não só um roteiro. A primeira coisa que a distribuidora ou o canal vai analisar é o book", afirma ela. Mas o que é book?
[O book] É a parte artística - sinopse, apresentação das personagens, currículo da direção e produção, as locações, o tema, a abordagem, a justificativa, dados sobre o público, etc - e a parte executiva - quanto custa o seu projeto e como você vai levantar esse dinheiro. - Barbara Sturm
Ou seja, o book é um documento que traz informações equilibradas entre os pontos artísticos e executivos que envolvem a produção do filme. É aí que entra um termo muito importante: “produção”.
Seu projeto não pode ser apenas um roteiro genial e a promessa de um grande filme. É preciso contar com um produtor que dê conta da parte executiva do seu book.
Valor agregado ou selling points
Quando falamos em valores, nem sempre estamos focados em dinheiro (embora seja um ponto extremamente importante). Se você for um autor iniciante, o que o seu projeto pode ter para atrair a atenção de players como a Elo Company?
Dentro da venda do projeto, existem os valores agregados, ou selling points. Sturm explica: "por exemplo, o protagonista é um grande ator que já fez tantas coisas. Ou o fotógrafo já foi indicado ao Globo de Ouro e isso vai trazer um valor. Filmar nos Lençóis Maranhenses, que é um cartão postal brasileiro. Coisas assim”.
Além disso, o valor agregado de um projeto envolve seu plano de financiamento, que apresenta para o player quais estratégias serão assumidas para levantar o dinheiro de produção. Você pode não ter captado todo o dinheiro necessário para produzir, mas é preciso ter um plano.
Mesmo que seja uma projeção do plano de financiamento, você tem o que tá confirmado e o que não tá confirmado. Com isso, a gente avalia selling points - valores agregados de venda. Então, seu ator vale tanto, seu diretor vale tanto… É um primeiro filme? Não é um valor tão agregado porque você pode errar. Mas essa diretora fez 20 curtas em 5 anos e ganhou prêmio com todos. Ok, então esse já é um selling point. - Barbara Sturm
Vale mencionar que o roteiro mesmo pode conquistar algum valor agregado, principalmente através de passagens em laboratórios e concursos de prestígio. Afinal, isso significa que agentes do mercado já sinalizaram interesse pelo projeto em questão. Por outro lado, a fonte dessa avaliação é levada em conta pelos players.
Quando alguém já disse que aquele projeto é bom, isso é um valor agregado. Aí depois tem o “quem disse”. É a mesma coisa do Festival. Tem vinte louros de festival. Mas quais? - Barbara Sturm
O tema e o conteúdo também contam como selling points. Barbara traz um exemplo: “se você tem hoje um projeto de longa protagonizado ou em um universo LGBT, ele tá mais valorizado pelas tendências da sociedade”.
Portanto, é muito importante estar de olho nas questões urgentes do mundo. Além do mercado responder bem a certas tendências, um filme que carrega um discurso relevante e impactante terá mais chances de prosperar. Por fim, isso ainda envolve o potencial de atrair um determinado público.
A ordem de venda de um filme, desde o produtor até a distribuidora
Vamos dizer que você terminou de escrever o roteiro do seu filme, considerou todos esses pontos sobre público, tema, discurso, etc. Por fim, seu roteiro passou em um grande laboratório de desenvolvimento, dando um sinal positivo para o seu trabalho. O que fazer agora? Quem você procura?
Barbara Sturm orienta: "a responsabilidade de levantar o filme é do produtor. Então, a primeira coisa que você precisa ter agregada a um roteiro é uma produtora”. Ela também esclarece uma dúvida que muitos têm quanto ao papel da distribuidora ao dizer que "o mercado de comercialização não se responsabiliza pela produção, por mais que ele invista no orçamento de produção. Não será 100% do orçamento”.
Com um bom roteiro em mãos e uma produtora parceira para ajudá-lo a materializar sua ideia, é hora de pensar as estratégias e montar o book. “O roteiro é a obra e o book é o produto”, sintetiza Sturm.
A própria elaboração desse material de vendas já revela ao autor os potenciais do projeto, mas também suas principais necessidades. Depois da avaliação do book, seu projeto está apto para uma segunda fase, onde o roteiro, enfim, será lido.
Aí, vem uma coisa importante: o seu roteiro só é lido pela mesma pessoa uma vez na vida. Você precisa saber qual é o melhor momento de enviar o roteiro. - Barbara Sturm.
Essa preparação do projeto é muito importante, mas não esqueça que a força também está no roteiro. Ele está bem formatado e revisado? É muito importante analisar a maturidade do texto e do seu discurso, principalmente em conjunto com sua produtora.
E depois disso? Seu book foi lido pela distribuidora, seu roteiro também. Barbara afirma que “as negociações demoram. Na Elo a gente demora normalmente 4, 5 meses para assinar o contrato. Isso com todo mundo super a fim! Para fazer uma venda é mais ou menos esse tempo também”.
Portanto, tenha paciência e esteja bem programado!
O Selo ELAS e seu lugar no mercado
Observadora e participante ativa do mercado audiovisual, Barbara conhece muito bem os pontos fracos e pontos fortes da nossa indústria. Ela conta que “em 2017, o ano em que eu entrei, foi a consolidação da ideia de que vamos ter mais filmes escritos por mulheres, dirigidos por mulheres. E o público quer!”
Grandes exemplos dessa ascensão dos títulos com protagonismo feminino em frente e por trás das câmeras são os reconhecimentos de "Lady Bird: a Hora de Voar" (Lady Bird, 2017), "Big Little Lies" (2017) e "O Conto da Aia" (The Handmaid's Tale, 2017), para citar alguns.
“Eu lancei o 'Que Horas Ela Volta?', que também foi muito forte. Depois, lancei o 'Olmo e a Gaivota', junto da campanha ‘meu corpo, minhas regras’, contra o endurecimento do aborto no Brasil”, conta.
Com tudo isso, eu entrei na Elo - e a minha chefe é muito provocativa no bom sentido, muito apoiadora. Eu estava escrevendo uns artigos na Folha sobre o Oscar, sobre mulheres no cinema, sobre essa onda do público interessado por títulos femininos. Aí a minha chefe me provocou e falou: o que a gente podia fazer comercialmente para sermos um foco desses projetos de mulheres? - Barbara Sturm.
Foi aí que o Selo ELAS nasceu em 2018. Barbara explica os detalhes: “o Selo [envolve] um grupo de experts, consultores do mercado. Pessoas que estão a fim de se unir, colaborar, ler coisas e passar sua experiência. Eu dividi essas pessoas em três áreas: artísticas, executivas e jurídicas. Hoje a gente tem um grupo de 20 consultores, que são de áreas diferentes, do Brasil inteiro”.
Ou seja, o projeto escolhido para participar do Selo recebe uma consultoria especializada por um determinado ano. O projeto cresce sob o olhar dos diferentes profissionais envolvidos - e o de Barbara, que é responsável por contratar os projetos para o Selo e acompanhar o desenvolvimento.
“Convido a diretora e alinho com ela, como distribuidora do projeto, o roteiro e o book", afirma. A partir daí, a diretora recebe consultorias dos vários profissionais e sai com seu projeto pronto para a comercialização.
O Sela ELAS já está tomando seu lugar no mercado brasileiro, contando com 33 projetos de 34 realizadoras. "Metade disso é primeiro filme e ⅓ fora do eixo”, conta Barbara.
Agora, você já pode elaborar seu projeto sabendo quais os principais elementos que ele precisa ter para atrair a atenção dos players. Boa sorte!
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