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A primeira página: dicas práticas que vão além do óbvio

Quer começar bem o seu roteiro? Levantamos algumas reflexões interessantes que fogem das premissas básicas dos manuais de roteiro

dexter
Dexter. Imagem: reprodução

por Guilherme Soares Zanella


Se você é roteirista, provavelmente sabe da importância das 5 primeiras páginas do seu roteiro. São essas páginas que engajam ou não um executivo, produtor ou mesmo possível parceiro. Nelas, entende-se a perícia da pessoa roteirista, o tom da obra, a protagonista, seu desejo primário e a fluidez geral do roteiro. É claro, estamos falando principalmente de roteiros comerciais.


As 5 primeiras páginas são tão importantes que, em um passado não tão distante assim, analisamos as aberturas dos roteiros dos nossos seguidores em uma ação junto com os roteiristas Carol Santoian, Tiago Carvalho e Ian Perlungieri.


Com tantos projetos circulando entre as produtoras e inscrições recordes em festivais e concursos, os critérios de seleção se tornaram cada vez mais rígidos. Pode parecer extremismo, mas é preciso encarar a realidade: a primeira página do seu roteiro vai influenciar diretamente as chances daquela obra seguir adiante no seu processo avaliativo.


Ao falarmos em samples, extratos de roteiros apresentados com o fim de exibir o seu trabalho como roteirista, essa primeira página é ainda mais importante. Afinal, com menos páginas para mostrar seu trabalho, é preciso fazê-las contar o máximo.


O básico de uma boa apresentação você já sabe: mostrar o contexto do mundo comum, apresentar protagonista - seu desejo, falha central, relação com o entorno -, principal força antagonista, etc.


Nosso objetivo aqui é dividir algumas dicas práticas para iniciar bem um roteiro fora do óbvio. Ou seja, reflexões para você ter em mente se quiser potencializar a experiência dos seus primeiros leitores, aqueles que podem impulsionar seu projeto adiante. Confira nossas dicas a seguir!


O conflito começa de dentro

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Dexter. Imagem: Showtime

Em uma página você já separa um roteirista experiente de um roteirista iniciante. Os motivos por trás disso são muitos, mas há um ponto essencial que podemos destacar aqui: roteiristas experientes entendem que o conflito começa de dentro. O que isso significa?


Quando pensamos em conflito nas primeiras páginas, talvez nossa mente vá direto para uma relação física. Talvez uma briga, uma perseguição, ou mesmo uma discussão entre duas ou mais personagens. Embora sejam ferramentas úteis, não são esses os conflitos que irão promover engajamento com a jornada emocional da sua protagonista - e é isso que você quer logo nas primeiras páginas.


Pense no conflito na perspectiva das forças opositoras de um desejo. Para isso, é claro, precisamos compreender este desejo e as condições contextuais que o mantém distante.


Alguns roteiristas sugerem que você substitua a palavra conflito neste momento pela palavra “problema”. Que problemas sua personagem passa no dia a dia? Quais são os obstáculos contextuais que a mantém em uma situação adversa? O que há nessa situação que a impede de seguir em frente, em busca de resolver seu problema e conquistar o que tanto deseja?


No geral, nosso papel também é conduzir a audiência em sua jornada de compreensão, onde ela desvenda diferentes camadas da sua protagonista. Se o público vai concordar com as ações em todos os seus detalhes, aí é outra história. Dexter, protagonista da série homônima, é um bom exemplo: seu código de honra o leva a matar pessoas cruéis, e seu contexto traumático - ele foi encontrado, quando pequeno, numa poça de sangue da sua mãe - nos faz compreender o contexto que leva a sua tendência homicida.


Nas primeiras cenas da série Dexter, seu conflito não é com suas vítimas, vizinhos, familiares ou colegas de trabalho. Seu conflito está em ser um serial killer que trabalha no Departamento de Polícia de Miami buscando viver uma vida normal - ao mesmo tempo perto demais daqueles que o levariam à prisão, mas também com as ferramentas ideais para encobrir seus crimes.


As cenas iniciais da série, antes de trazerem conflitos com demais, demonstram o caráter de Dexter - um predador silencioso em uma cidade "ideal" para o crime.


Por isso, reflita bem na situação conflituosa que representa as forças opositoras dentro da sua protagonista. Se isso envolver diretamente outras pessoas, tudo bem! Mas tenha certeza de que essa reflexão rende cenas bem originais e interessantes.


O papel do movimento

John Wick
John Wick. Imagem: reprodução

Em seu curso “Escrita Literária”, produzido pela Navega, o escritor Marcelino Freire fala sobre o papel do movimento no início das narrativas. Na literatura, é possível dilatar o tempo de tal forma, que embarcamos na subjetividade das personagens enquanto, no mundo exterior, elas não fazem essencialmente nada.


Para Freire, um início sem movimento não é a melhor forma de começar uma obra. Essa mesma reflexão pode ser feita no âmbito das narrativas audiovisuais (talvez até caiba melhor neste contexto). A primeira página do roteiro não precisa avançar o plot, mas que tal apresentarmos uma protagonista em movimento?


Sabe aquele clichê das cenas de abertura onde a protagonista acorda de manhã, se espreguiça, desliga o alarme, se arrasta para o banheiro e joga água no rosto? Tem coisa mais estagnada do que essa sequência? O que ela nos apresenta sobre a personagem?


Quando falamos em movimento, não significa que você precise colocar sua personagem correndo ou algo do tipo. Estamos falando de movimentos dramáticos, que também dependem muito do contexto que você está inserindo sua protagonista. Apresentar uma protagonista também é uma questão visual. Reflita: qual o melhor lugar e a melhor ação para apresentar essa personagem, com todas as suas falhas e desejos?


E se, no lugar dessa sequência, a cozinha estiver pegando fogo? E se a sua personagem mantiver uma rotina normal, mas acordar em um lugar extremamente estranho? O que isso diz a respeito dela e sua jornada?


Aqui, resgatamos uma frase da roteirista e autora Linda Aronson: “uma história deve ser real, mas fora do normal”. Mencionando mais uma vez Marcelino Freire, ele afirma que um dos grandes pecados que autores(as) cometem é se mostrar previsível.


Quando o leitor começa a completar mentalmente as frases ou prever o que vai ser apresentado na sentença seguinte, a narrativa passa a ser monótona.


Aposte no quebra-cabeças

Severance
Severance. Imagem: AppleTV+

Falamos brevemente sobre o básico em uma apresentação de personagem, mas será que esses elementos são suficientes para que seus primeiros leitores se interessem pelo roteiro? Há quem acredite que, acima desses requisitos da dramaturgia, é preciso trabalhar sua primeira página a partir do ponto de curiosidade.


Uma maneira interessante de encarar as primeiras páginas do seu roteiro é pensando nelas como um enigma. Você entrega informações com parcimônia, colocando seu leitor (e, consequentemente, seu futuro espectador) em uma situação de dúvida e curiosidade. A próxima cena é aquela que vai trazer uma nova informação, mas também levantar novas perguntas.


Um bom exemplo para compreendermos essa questão pode ser encontrado na série “Severance” (Ruptura, 2022), lançamento da Apple TV +. Na primeira cena, Helly, uma mulher de trinta e poucos anos, encontra-se deitada inconsciente em uma ampla mesa, no centro de uma sala bem iluminada. Imediatamente, temos apenas dúvidas e curiosidades sobre a situação apresentada.


Aos poucos, ao acordar, Helly é avisada por uma voz eletrônica que passará por um teste. Ok, então tudo aquilo é um teste… Mas qual? Qual é o objetivo por trás do teste? Em uma sequência posterior, somos apresentados a personagem responsável por fazer aquelas estranhas perguntas. Algumas dúvidas são sanadas, mas outras questões surgem. Durante todo o piloto da série, as informações que recebemos são entregues em partes.


Personagem primeiro, trama depois

fleabag
Fleabag. Imagem: reprodução

Gostar ou não de um roteiro tem seu lado subjetivo, mas também objetivo. Alguns elementos podem facilitar o engajamento do leitor, enquanto outros podem prejudicá-lo. Empatia pela protagonista (e/ou sua situação no momento) é um desses elementos. Não se trata necessariamente de concordar ou não com suas ações ou bússola moral, mas criar um laço onde compreendemos suas razões e temos curiosidade de entender como a situação seguirá a partir dali.


Dar atenção demais ao plot antes de construir uma protagonista convincente e complexa pode prejudicar essa conexão, pois assim você ignora a jornada emocional da mesma.


Quer um exemplo?


Pense em uma cena onde uma mulher troca um pneu do seu carro no acostamento da estrada. Essa cena pode apresentar diversos pequenos conflitos: um estepe furado, um possível vazamento de gasolina, figuras estranhas rondando o local ermo, etc. Embora, nesta sequência, o objetivo de consertar o carro esteja apresentado e os obstáculos entre a protagonista e seu desejo também, não criamos necessariamente uma relação com sua situação.


Se estabelecemos que esta é a última chance da protagonista de conquistar o emprego dos seus sonhos, necessário para que ela arque com um tratamento caro da sua mãe, por exemplo, cada obstáculo em sua ação adquire um novo tom. O tom da expectativa, da tensão, do medo conquistado apenas quando sabemos tudo o que ela tem a perder.


O evento dramático mais importante da sua trama não vai ocorrer na primeira página. Antes disso, pense em como construir essa empatia e passar rapidamente a ideia do papel que o desejo da sua protagonista exerce na sua vida e/ou daqueles a sua volta. A empatia vem antes mesmo da apresentação da falha da personagem e seu lado mais sombrio a ser explorado no decorrer da trama.


Isso significa que a trama só pode acontecer depois da apresentação da personagem? Para Jill Chamberlain, autora do livro “The Nutshell Technique”, a manifestação do desejo primário da personagem protagonista ocorre na sua primeira fala. A trama já está andando! Nossa questão aqui é sugerir que, antes de preencher seu beat sheet, você coloque a construção da personagem em primeiro lugar.


Trabalhando as especificidades

Harry Potter
Harry Potter e a Pedra Filosofal. Imagem: reprodução

Personagens devem soar reais. Como conquistar isso? Através de especificidades. Como comentamos anteriormente, quando o leitor ou espectador prevê a próxima frase (ou ação, no caso do audiovisual), possivelmente sua narrativa se apresenta de forma monótona.


Essa mesma lógica serve para suas personagens. Nas primeiras sequências de ações da sua protagonista, é possível prever seus passos? Suas decisões caem no lugar comum? Os espaços apresentados e seus contextos são habituais demais? Retornamos para a frase “real, mas fora do normal”. Um pé na realidade e outro na situação excepcional que justifica a existência daquela obra.


Não queremos assistir a um filme ou série sobre alguém que toma as decisões que nós tomaríamos, mas sobre quem, por algum motivo a ser desvendado, age de forma inesperada.


Especificidades podem ser acrescentadas nas mais diversas situações corriqueiras, a fim de garantir o elo emocional com a jornada da personagem e ao mesmo tempo o interesse pelas suas ações imprevisíveis. Anti-heróis, por exemplo, utilizam essa estratégia narrativa muito bem.


Entre as circunstância capazes de criar um forte elo, podemos mencionar alguns exemplos:

  • Situações de injustiça, onde sentimos pela e empatia pela batalha da protagonista. Podemos até mesmo projetar frustrações da nossa própria vida;

  • Personagens em situações adversas, mas que preservam sua integridade moral mesmo no pior dos momentos. Assim, torcemos pela protagonista imediatamente;

  • Personagens que sofrem uma grande traição ou negligência, mas secretamente guardam algo de excepcional. Um dos exemplos mais famosos é Harry Potter, tratado com muita negligência pelos seus tios, que o adotaram sem saber que Potter na verdade era um poderoso bruxo;

  • A pessoa certa na situação errada. Sabe aquela blogueirinha que precisa passar um tempo na fazenda, longe de qualquer sinal de wi-fi? Ou a clássica workaholic que volta a sua cidade natal para passar o natal, longe de seus gadgets e facilidades da cidade grande. Podemos até não sentir aquela super empatia por essas personagens, mas a trama nos intriga;

  • Personagens que se importam com algo além de si. Até mesmo um assassino implacável pode ser percebido como uma personagem empática, caso se importe com algo ou alguém fora da sua bolha individualista. Um bom exemplo é o John Wick e seu cachorro. Spoilers de lado, podemos dizer que John Wick é capaz dos maiores sacrifícios pelo seu animalzinho;

  • Personagens admiráveis. Adoramos acompanhar a jornada de pessoas com dons especiais, principalmente se elas vivem em contextos que não as reconhecem. Um artista genial em uma escola técnica focada em exatas viveria uma situação dessas, assim como mentes brilhantes a frente do seu tempo;

  • Personagens com falhas extremamente humanas, como a simpática e ácida Fleabag. Ela se coloca em uma posição de "rir de si mesma", algo que nos conecta pela sinceridade.


São muitas as situações “clássicas” capazes de construir elos emocionais e ao mesmo tempo apresentar bons conflitos contextuais. O tempero dessa arquitetura, porém, sempre será a especificidade. Em que pontos a sua blogueirinha desconectada é diferente das outras que já vimos em séries e filmes? Que especificidades sua personagem carrega nessa situação de injustiça?


6 questões para evitar nas primeiras páginas de um roteiro

Garota Exemplar
Garota Exemplar. Imagem: reprodução

Novamente, vale ressaltar que são muitas as situações que podem prejudicar a construção de um bom roteiro. Da mesma forma, se subvertido ou apresentado em um contexto onde tais decisões fazem sentido, pode-se desconsiderar qualquer ponto apresentado a seguir.


Dito isso, deixamos aqui algumas reflexões:


1. A ação pela ação


Repense situações que não nos contam muito sobre o contexto da sua protagonista ou caráter da sua protagonista, por mais incrível que seja a cena. O que estamos aprendendo com essa cena inicial?


Esse "ensinamento'' pode ser tão simples quanto “aqui está uma pessoa durona o suficiente para conseguir salvar o mundo”, por exemplo. No incidente incitante será importante essa informação inicial.


2. A armadilha do ritmo


Passar um ritmo e um tom que não corresponde com os objetivos da obra é um tiro no pé. Se você levar a sério demais a ideia de que o espectador de hoje busca narrativas mais ágeis, às vezes pode acabar prejudicando o ritmo natural que a sua história pede.


3. Protagonista ou coadjuvante?


Terminar a primeira página com dúvidas sobre a protagonista da história é um problema, principalmente considerando a função dessas páginas iniciais - o set up da história. Se a proposta for um multiplot, é bom que isso fique claro na linguagem da apresentação.


4. Lugares ou situações corriqueiras demais


Seu roteiro não precisa reinventar a roda a cada página, mas a abertura da sua narrativa se beneficia muito de um começo fora do comum, embora ainda reconhecível.


Você realmente quer começar seu roteiro em uma fila de banco que não nos leva a nada que fuja do normal? Pense no que pode ter de excepcional. Afinal, é o começo da sua história. O começo da história deve passar a clara impressão de que essa narrativa não poderia começar um segundo antes ou um segundo depois.


5. Cenas redundantes


Você está contando em várias páginas o que podemos contar em uma cena? Considere suprimir elementos e avançar um pouco, seja na trama ou mesmo na nossa compreensão das camadas da sua personagem.


6. O roteiro “plano de fundo”


Vamos combinar, tem filme que a gente verifica se realmente apertamos o play. Isso não é uma crítica às narrativas mais lentas e contemplativas, mas àquelas que nos fazem pensar: “é a proposta ou foi um erro?”


Se você leva uma, duas, três páginas para apresentar espaços, enquanto aprendemos pouco ou quase nada sobre sua protagonista, talvez isso seja um problema.


Regras? Longe disso!

Dexter
Dexter. Imagem: reprodução

Se é regra, certamente pode ser subvertida. Tudo o que compartilhamos aqui são reflexões. Isso significa que você precisa considerar cada ponto, mas não tomar nada como regra. Algumas questões aqui podem ser úteis para seus roteiros, outras você pode subverter.


Acima de tudo, gostaríamos de dividir reflexões que são úteis para os nossos processos como roteiristas, que fogem um pouco das premissas óbvias que vemos em livros sobre o ofício.


Quais são as suas reflexões? Quais são os pontos que você evita e aquele indispensáveis em seus roteiros? Com isso, esperamos iniciar um frutífero diálogo.



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